Bem-vindo ao México: não perca a cabeça, literalmente‏

Lanchonete atende gradeada em Ecatepec, Zona Norte metropolitana da Cidade do México.

Por Maurílio Mendes, ‘O Mensageiro’

Publicado em 27 de junho de 2012

Vamos falar mais um pouco sobre o México.

Podemos entrar direto no tema de hoje: a guerra em que esse país infelizmente mergulhou.

…………..

‘Guerra’ não é modo de falar. A situação está absolutamente macabra.

Mapa de 2012 mostra como os cartéis ‘ratearam’ o México entre si. As ‘fronteiras’ podem ter mudado de lá pra cá, afinal a guerra é pra isso, cada grupo quer ter o máximo de poder possível.

De 2007 até 2012 (quando o texto foi escrito), já foram mortos 60 mil mexicanos nos combates dos cartéis contra o exército e dos grupos criminosos entre si.

O mandato presidencial é de 6 anos. Em 2006, houve eleições presidenciais por lá.

O povo mexicano escolheu Ângelo Miguel Lopes Obrador, do partido de esquerda PRD.

Em 2006 ele ganhou, mas não levou. Concorreu de novo em 2012 (eu estive lá poucas semanas antes do pleito, o país respirava política).

Em pleno Centrão do México D.F.: acampamento de sem-tetos tomou as calçadas (veja outros retratos dos problemas do núcleo da metrópole). No entanto, devo acrescentar que o Brasil e até os EUA passam pela exata mesma situação.

Da eleição de 12 falo outra hora. Aqui, de volta a 06. Obrador ganhou na votação popular, se esta tivesse sido limpa.

No entanto um golpe de estado orquestrado pelas oligarquias mexicanas e ianques (CIA), subverteram a vontade popular e a custa de fraudes massivas empossaram Felipe Calderón.

Em outro texto dou mais detalhes dos atos anti-democráticos que ocorrem nas eleições mexicanas.

Agora o que importa é que ao assumir Calderón elevou a retórica de ‘guerra contra as drogas’ numa guerra de verdade. E nesse caos está o México hoje.

A guerra que sangrou a Colômbia dos anos 70 pro começo dos anos 2000 subiu pro México. A Colômbia reduziu bastante o poder de seus 2 maiores cartéis, os de Cali e Medelím.

O México e Los Angeles (EUA), por serem umbilicalmente ligados, compartilham um estilo único de pichação: as letras são grandes, retas e separadas (como em SP e Sul do Brasil). O tempero peculiar do ‘alfabeto’ mexi-californiano é que as letras são retorcidas num toque gótico.

Pois bem. Os Cartéis mexicanos (do Golfo, de Sinaloa, os Zetas, os Templários e muitos outros nomes) preencheram o vácuo.

São eles hoje quem compram droga por tonelada na Colômbia e levam, via América Central (onde incluo o México) até os EUA e Europa.

Estive nos dois países, tanto nos centros do poder (palácio presidencial, senado, suprema corte, etc) quanto nas piores favelas da periferia, e lhes digo:

Hoje, a situação no México é infinitamente pior que na Colômbia.

Nesse último país, como relatei extensamente quando lá estive em 2011, a guerra amainou mas não acabou. Fato. A Colômbia ainda está em guerra.

Felizmente não há mais explosões de bombas nem mega-chacinas, mas ainda se vê o exército por toda a parte, na verdade mal pode-se diferenciar a polícia do exército. Ainda assim, na Colômbia o exército e a polícia são onipresentes, pra ocupar o território, mas não há combates nas cidades.

Foi dado um certo grau de cidadania as massas, antes inexistente. O transporte coletivo é o pilar da revolução positiva. Isso amenizou em muito os problemas de violência

Mais um exemplo cali-mexicano. Até aqui, todas as fotos de pichação foram tomadas no subúrbio de Ecatepec, incluindo ‘Eazy-E’ sobre a manchete. Observe os ‘atropelos’, ou seja uma pichação propositadamente risca a outra.

Eles já conseguiram fazer a guerrilha e os cartéis recuarem pras selvas. Ali sim há confrontos pesadíssimos inclusive com o uso de aviões.

Mas nas grandes cidades colombianas já não há mais bases fortes de grupos para-militares, sejam de ‘esquerda’, ‘direita’ ou quadrilhas de criminosos comuns, sem ideologia.

É certo, a Colômbia é um país com enorme violência urbana, mas já não mais em guerra aberta, ao menos nas cidades. Está numa situação muito similar a do Brasil.

As metrópoles brasileiras são violentas, mas ao menos ninguém explode uma bomba num restaurante.

No México, entretanto, eles explodem bombas em restaurantes. E em bingos. Há uns meses (o texto é de 2012, lembre-se), colocaram uma bomba num bingo na cidade de Monterrey, no norte do país. Diversas pessoas morreram.

comboio macabro

Cidade Juaréz, divisa com Texas, EUA: enorme comboio da PF patrulha uma nação dividida e em guerra consigo mesma. Essa imagem baixei da rede, eu não estive na fronteira – as demais fotos são de minha autoria, junho de 2012.

Você calcula isso, matarem velhinhas que estão gastando sua aposentadoria numa tarde com as amigas no bingo? Pois é a realidade mexicana.

Essa barbaridade chocou pela brutalidade, mas está longe de ser caso isolado.

Enquanto eu estava no país, li no jornal que alguém explodiu uma granada num restaurante. Sete pessoas se feriram, uma com gravidade.

Segundo o dono do estabelecimento, não haviam nem policiais nem militares no momento ali, então ele não entendia o porque dessa estupidez gratuita.

Alias, em Acapulco, no litoral, vi um restaurante que tinha um cartaz na porta que dizia exatamente isso:

Proibida a entrada de policiais ou soldados fardados, se eles estiverem de folga. Policiais e soldados só podem entrar fardados se estiverem em serviço, cumprindo mandatos”.

Ou seja: a legislação estadual diz que se ele estiver fora do horário de trabalho e quiser somente almoçar tem que tirar o uniforme antes de circular pela cidade.

Vista aérea. A Cidade do México é muito densa e quase não tem verde. Diametralmente oposta a Assunção, Paraguai.

Pra não atrair retaliações violentas das quadrilhas que disputam território com o governo.

Um país que precisa obrigar por lei que suas forças de segurança se escondam . . . Creio que não é preciso argumentar além disso.

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O comandos de criminosos no México não agem somente com bombas.

O facão e o machado são muito utilizados também. Além das explosões, está na moda decapitações e amputações em massa naquele país.

Enquanto eu estava lá igualmente, li outra atrocidade. Um dos cartéis deixou um caminhão com 15 cadáveres humanos, todos severamente mutilados, em frente a prefeitura de uma cidade do interior. Usaram crueldade máxima, e escolheram o local de desova mais simbólico possível, pra mostrar que o verdadeiro poder no país são eles e não o estado.

E é assim no país inteiro. Como já disse muitas vezes, estive na capital e no balneário de Acapulco. Falando da situação de guerra com um camarada, ele comentou “então você não esteve na pior parte, que é norte, por causa da fronteira com os EUA”.

Respondi “na verdade infelizmente todo o México está em guerra, não apenas o norte”. E assim é. Norte, centro e sul, costa do Atlântico e do Pacífico, serra e litoral, capital e interior, todo o México está igualmente mergulhado no banho de sangue.

Pois se a droga sai do México pelo norte, ela chega pelo sul.

Assim é a periferia: subúrbio metropolitano de Ecatepec, Zona Norte.

Logo é preciso dominar o país inteiro. E os cartéis também mexem com tráfico de gente.

Os centro-americanos (hondurenhos, nicaraguenses, guatemaltecas, etc) precisam passar pelo México pra chegar de forma ilegal aos EUA.

Pra isso é preciso pagar pedágio ‘a la M’, como alguns setores da Máfia Mexicana se auto-denominam.

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Acapulco mesmo, bem distante da fronteira ianque, é um dos “pontos quentes” desse combate.

Taxqueña, um bairro de classe média na Zona Sul do México DF. Ao fundo alguns micro-ônibus verdes.

Em outra mensagem que já está no ar, relatei minhas voltas na periferia da cidade. Presenciei a guerra mexicana ao vivo:

Na avenida já na baixada, esperando o ônibus pra voltar pro Centro, cara, parecia que eu estava no Afeganistão.

Passam o tempo todo comboios de 3 ou 4 caminhonetes abertas do exército, da polícia nacional e até da marinha.

Na carroceria, vão 6 soldados com metralhadoras apontadas pra todos os lados.

6 em cada caminhonete, e eles vão sempre de comboio. O México está muito, mas muito pior que a Colômbia.

Esse último país também está em guerra, e se vê o exército por toda a parte, Centro e periferia. Mas eles não estão em posição de combate.

Vamos ver várias cenas do subúrbio de Ecatepec, pois ele sintetiza bem a periferia da Cid. do México. Essa pichação lembra o estilo que é usado no Brasil, letras grandes, retas e separadas. ‘ZN’ é exatamente ‘Zona Norte’, no caso ao norte do trilho de trem. Um aviso pras gangues que são ao sul da linha férrea não cruzarem a divisa.

Sua presença é ostensiva, e estão ali pra mostrar que controlam o território. Porém como eu acabei de dizer suas metralhadoras estão abaixadas.

No México não. Os bicos estão pro alto, e o pente de balas é tão grande que dá a volta no peito do soldado.

Alias os soldados andam mascarados, pra não serem reconhecidos, garantindo impunidade no caso de matarem inocentes, o que é frequente.

Situação macabra. Sabe aquelas cenas dos filmes do Rambo? É desse jeito. Esperei uns 15 a vinte minutos o ônibus. Passaram 3 ou 4 comboios desses”.

Ou seja, Acapulco está em guerra. Tanto quanto Monterrey, Tijuana e Cidade Juaréz.

Aliás, é da Cidade Juaréz que vem a imagem do comboio da PF acima. Realmente esse está gigante, quase uma dezena de caminhonetes. Em Acapulco eu vi vários desses, porém com 2 ou 3 caminhonetes cada um.

O resto era exatamente igual, 6 soldados (da PF, exército e mesmo marinha) mascarados na caçamba, cada um com uma metranca na mão.

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As quadrilhas de criminosos estão fazendo esquartejamentos em massa por lá.

Ali perto, o finado (morreu de aids) repeiro estadunidense ‘Eazy-E’ monta guarda, uma pistola em cada mão.

E desovando 10, 15 e por vezes mais de 20 cadáveres retalhados na beira da auto-estrada que chega da capital.

Num cartão de visitas absolutamente bizarro.

Bem, nada que os ‘chilangos’ (habitantes do México DF) não conheçam.

A capital também não está imune aos conflitos. Por exemplo.

Atrás do aeroporto internacional, na Zona Leste da cidade, há uma favela.

Uma época, os grupos de criminosos estavam cortando cabeças – literalmente – e as atirando no terreno do aeroporto.

Não chegou a cair nenhuma na pista propriamente dita, mas na mata que a cerca sim.

Ecatepec: guerra de gangues a todo vapor, por isso a insígnia ’13’ em preto foi profanada pela galera que escreveu de laranja.

Isso aumentou a concentração de urubus, que como se sabe podem derrubar um avião se entram na turbina.

O pouso e decolagem são momentos extremamente instáveis nesse sentido.

Por isso tiveram que tomar uma providência pra tentar pacificar a favela.

Ou isso não sendo possível ao menos fizeram um acordo pra que os bandidos mantenham os restos de suas vítimas fora da zona aeroportuária.

Porque se não fosse o aumento dos urubus, eu vou dizer, quase ninguém se importaria com essa chuva macabra que caía por lá.

Por conta disso é o título desse emeio. No aeroporto da Cidade do México deveria haver esse aviso:

ta tomado, mano

Em outra escala.

Bem-vindo ao México. Não perca a cabeça. Não, não é modo de falar. Quem dera fosse…

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É claro que o poder dos cartéis mexicanos vem dos EUA. Mas não apenas de forma indireta, como alguns poderiam ingenuamente supor.

Não é somente os consumidores de droga estadunidenses que armam involuntariamente os cartéis.

Beira-Mar em Acapulco, um Táxi-Fusca. Ao fundo o bairro da Caleta, que é uma península.

Não satisfeito com o banho de sangue monumental, a ATF (espécie de polícia federal dos EUA que cuida apenas de bebidas, cigarro e armas de fogo) entregou mais de 2 mil armas pesadas aos cartéis de traficantes mexicanos.

Não é teoria da conspiração. Tudo está nos arquivos oficiais, e foi debatido em sessões do congresso ianque. Alegaram ser um ‘engano’.

A desculpa era que assim os líderes dos cartéis seriam rastreados e presos. Rá-rá. Seria muito cômico se não fosse indescritivelmente trágico.

Vejas as fontes:

http://www.cnn.mx/mundo/2011/07/26/los-agentes-de-eu-en-mexico-nos-enganaron-con-rapido-y-furioso

Pichação na Cid. do México com letras redondas, ‘alfabeto’ criado em Nova Iorque-EUA, e que se tornou majoritário em boa parte do globo, incluso no Brasil.

http://paxterrarum.blogspot.com.br/2011/10/armas-vendidas-la-vista-de-la-atf.html

http://www.europapress.es/latam/politica/noticia-mexico-eeuu-atf-entrego-armas-carteles-mexicanos-2006-2007-operacion-receptor-abierto-20111005065219.html

http://thehayride.com/2011/02/atf-gives-guns-to-mexican-drug-cartels-to-undermine-second-amendment/

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Essa estratégia, do governo dos EUA usar dinheiro público pra armar as máfias mexicanas, começou com a operação “Receptor Aberto”, de 2006/07, ainda no governo Cheney/Bush Jr. .

Mas prosseguiu, agora sob o nome de “Velozes e Furiosos”, de 2009 pra frente, quando Obama já era o ocupante da Casa Branca.

A frota mexicana é velha, muito mais que a brasileira, chilena e mesmo paraguaia. No mesmo nível da Colômbia e República Dominicana. De volta ao México, a maior parte dos caminhões são ianques. Esse, porém, é um Dina, indústria mexicana.

Essa remessa de armas ianques garantiu o domínio dos cartéis por pelo menos mais uma década. Mais uma década de sangue mexicano escorrendo aos borbotões.

E os cartéis são implacáveis, executam suas vítimas com crueldade máxima, pra dar o exemplo. Não por acaso um das gangues se auto-denominou “os Templários”.

Como é sabido, essa era uma ordem de cavaleiros cruzados na idade média, famosos por sua ferocidade e sangue frio.

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Até 2006, cerca de 2 mil mexicanos morriam assassinados por ano por grupos de traficantes. De 2007 pra cá, desde que Calderón foi empossado, esse número pulou pra 12 mil por ano.

Reflita sobre isso. Uma situação que já era ruim ficou trágica. Mais de 50 mil mexicanos morreram inutilmente, apenas pra que as Oligarquias mexicana e ianque, em conluio, solidificassem seu poder.

A perfídia humana parece não conhecer limites.

“Santa Morte” está tendo que fazer hora extra, pra levar tantas Almas mexicanas pro outro mundo prematuramente….

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É claro que num ambiente de desastre desses, não é só a criminalidade organizada que floresce. A criminalidade ‘comum’ também.

Além das mega-chacinas que vitimam dezenas de pessoas de cada vez (muitas vezes com cadáveres mutilados), ocorrem diariamente muitos e muitos assassinatos ‘no varejo’.

De novo a orla acapulquenha. Esse táxi não é Fusca, óbvio. E é de outra cor. Em Acapulco os táxis são pintados conforme a região da cidade que têm sua base, como é com os ônibus em inúmeras cidades mundo afora.

Uma guerra estimula as piores tendências humanas.

E todas as grandes cidades mexicanas são cercadas por favelas gigantescas, onde tudo é precário, inclusive os métodos pra resolução de disputas.

De forma que além da morte no atacado dos cartéis, todos os dias os jornais sensacionalistas mostram vários cadáveres que foram produzidos de forma mais artesanal, digamos.

Há muitos desses jornais no México DF, todos eles competindo qual dará a foto mais grotesca, que chamará mais a atenção.

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Além de muitos homicídios, há muitos roubos no México. Na periferia, boa parte do comércio trabalha atrás de grades, como podem ver na foto.

Nas periferias mexicanas, quase todas as casas têm essa plaquinha na frente, com o endereço e nome da família. Os mais humildes pintam na parede, não fazem o artefato de metal. Muda o meio, a informação contida é a mesma.

Justiça seja feita, nesse ponto a Colômbia é pior.

Em Bogotá e Medellín, é comum mesmo no Centro e nos bairros mais caros (e portanto mais policiados) as lojas estarem abertas mas os donos protegidos por grades.

Especialmente depois que anoitece mas não é incomum o dia inteiro.

Já no México pelo menos no Centro essa cena é bem rara. Na periferia bem comum.

Já vi essa situação aqui no Brasil também, em várias cidades, só que aqui é bem inusitado.

E olhe que conheço as entranhas, os piores bairros, de dezenas de cidades grandes e médias em nossa pátria, em suas 5 regiões.

Acapulco. Veja matéria completa sobre o transporte na América e Ásia, em que Acapulco é grande destaque.

Existe, mas bem menos (quando escrevi esse texto eu ainda não havia ido a Belém.

Na capital do Pará, nos subúrbios, a coisa é bem crítica nesse ponto também. Já estou levantando pra rede o que escrevi sobre minha ida pra lá, acesse as ligações em vermelho).

No México e Colômbia, repito, na periferia a maioria das lojas atende assim, e na Colômbia em pleno Centro igualmente.

No Paraguai e República Dominicana isso existe mas bem menos. Já no Chile eu diria que quase empata com o México.

Novamente cito o que vi no subúrbio de Acapulco: fui num bairro chamado Colosso. Saí do ônibus no alto do morro e o vim descendo a pé. Na minha frente veio um caminhão da Coca-Cola.

Pois bem. Quando ele para, antes do motorista e dos ajudantes desce um segurança armado com escopeta. Ele toma posição militar e fica apontando a escopeta pra rua. Só aí descem os trabalhadores pra descarregar a bebida.

Já essa bandeira é no Zócalo, a ‘Praça de Armas’, marco-zero da capital, epicentro político e cultural da nação.

Cruzei com esse caminhão duas vezes. No meio vi um outro caminhão, entregando iogurte. Mesma cena.

Primeiro, um fardado com escopeta, depois os trabalhadores. Se não for assim não há como trabalhar.

O hotel que fiquei, em pleno Centro da Cidade do México, igualmente era protegido o tempo todo por um segurança armado com uma escopeta.

Fica exatamente ao lado do Zócalo, onde está essa bandeira.

Pra quem não é familiarizado com armas de fogo, uma escopeta é uma espingarda, mas muito mais potente.

Em um único tiro ela lança dezenas de projéteis fragmentados. Ou seja, levar um tiro de escopeta equivale a levar dez ou mais de revólver. É praticamente impossível sobreviver.

E é dessa forma que os comerciantes precisam se armar por lá. Você já viu quando o carro-forte vem apanhar o malote.

No México é preciso esse grau de militarização pra tudo, desde pra entregar iogurte na periferia até pra manter aberto um hotel no marco zero da cidade, no coração da nação, que é sua parte mais policiada.

Eis meu relato, direto da frente de batalha.

Caminhão pichado. Essa criação nova-iorquina já pegou no México, também.

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Comentemos as imagens espalhadas pela mensagem. Nem sempre a descrição corresponde a que está ao lado, busque pelas legendas.

Mostramos as pichações e grafites nos muros, são da Zona Norte da Cidade do México, quase todas no pobre, distante e violento subúrbio de Ecatepec.

Esse é o segundo município mais populoso do México, maior que Guadajara, só atrás do próprio Distrito Federal.

Abrimos com o repeiro estadunidense ‘Eazy-E’ segurando duas pistolas. Nessa e em outras imagens, veem que está escrito “Zona Norte” ou ZN.

‘Eazy-E’ participou do grupo de ‘rap’ NWA. Eu tive esse CD, não o tenho mais. O que importa é que o NWA é dos EUA (de Los Angeles no caso). E além do músico – que de fato veio do gueto e era de gangues criminosas, morrendo de aids em 1995 – há outras influências ianques aqui:

No México (como na Colômbia e toda América Hispânica exceto Argentina e Paraguai) não se usa o termo “Zona” pra Zona Norte, Zona Leste, etc.

Pessoas viajam na caçamba de caminhões na Cidade do México. Nesse país, e em boa parte da América Latina e África, prevenir acidentes de trabalho tem prioridade zero.

Sim, eu estou usando o tempo todo esse termo. Mas é porque eu e todos vocês que me leem somos brasileiros, e aqui no Brasil ele é corrente.

No México, repito, não é. Claro que lá eles dividem a cidade em regiões baseadas nos pontos cardeias.

Mas não usam a palavra ‘Zona’, falam apenas em qual lado da rosa dos ventos aquele bairro está. Exemplificando fica mais fácil visualizar.

Quando eu digo que ‘Ecatepec fica na Zona Norte do México DF’, lá eles falam que ‘Ecatepec fica no Norte do México DF’.

Zona Norte é Norte, Zona Sul é Sul. Mas pro Leste e o Oeste eles tem outros termos. O que pra nós é Zona Leste, no México é o Oriente.

O Cajuru fica na Zona Leste de Curitiba, mas naquele país dizem que a “Cidade da Paz fica no Oriente da Cidade do México”. Na Colômbia o termo é o mesmo, Oriente.

O que pra nós é Zona Oeste, na Colômbia é Ocidente. No México, entretanto, é o ‘Poente’. “Santa Fé fica no Poente do México DF”. Um modo poético de dividir a cidade. No Chile também se fala ‘Oriente’ e ‘Poente’ pra Leste e Oeste.

‘Banheira’: carros importados usados dos EUA têm mercado cativo no México.

Ou seja, digo de novo, os mexicanos não usam o termo ‘zona’ nesse sentido. Mas as gangues mexicanas o fazem.

Imitando as gangues estadunidenses, que dividem a cidade em ‘lados’: ‘West Side’, ‘East Side’, etc.

E cruzar o limite sem autorização resulta em problemas. Veja que as quadras estão demarcadas.

No caso de Ecatepec, em Zona Norte e Zona Sul, sendo a linha do metrô a divisa. Cruzar a fronteira sem ter sido convidado é punido com uma chuva de balas.

Isso vale pras membros de outras gangues. Os trabalhadores podem passar a vontade e não são incomodados, desde que não incomodem os donos da rua também.

Eu mesmo sempre cruzei as fronteiras das gangues nos subúrbios, seja no Brasil ou em diversos outros países da América, e nunca fui importunado pelas quadrilhas, pois elas veem que eu não vou lá pra disputar o poder com elas.

Em várias imagens veem pichações se sobrepondo a outras. Numa delas uma galera classificou de ‘putos’ quem havia demarcado antes o território. Não é preciso estudar espanhol pra entender o que o autor quis dizer com isso.

………..

Nada de dólares’: estabelecimento na parte rica do México DF (que portanto concentra muitos executivos ianques que trabalham nas trans-nacionais que têm suas filiais nas redondezas) avisa que o pagamento precisa ser em moeda nacional, o peso mexicano.

Pra encerrarmos o tema das pichações, um último detalhe.

A Cidade do México, como as metrópoles brasileiras e também as estadunidenses, é inteira pichada.

Mas há dois tipos de pichadores, e pode-se identificá-los porque possuem dois estilos diferentes de letra.

Um é o modelo estadunidense de pichação, que tomou conta da Cidade do México. As letras são redondas, unidas e com mais de uma cor.

Por outro lado, há o estilo méxico-californiano de pichar. As letras, inversamente, são retas, separadas e de uma cor só.

Fala-se muito na cultura Tex-Mex. Pois bem. Na pichação, há a cultura Cal-Mex. Desse tema entendo pois fui pichador.

Então deixa eu dizer a vocês. Nos guetos de Los Angeles a pichação não segue o modelo estadunidense, inventado em Nova Iorque.

Ecatepec, Z/N: pichações riscadas, sinal de conflitos de rua violentos.

Nas quebradas angelenas, a pichação é diferente do resto dos EUA, justamente porque é influenciada pela grande quantia de mexicanos (e demais centro-americanos) que ali residem.

Todos os anos, dezenas de milhares de mexicanos são deportados dos EUA. Centenas deles são membros de gangue angelenas.

Nos EUA, eles fizeram Los Angeles ter uma pichação diferente do resto dos EUA, por serem mexicanos. De volta ao México, eles trazem a pichação sul-californiana com eles.

Assim facilmente se vê que a pichação do México e do Sul da Califórnia se influenciam mutuamente, pois o fluxo de pessoas é intenso nas duas mãos.

Também na Zona Norte, outro exemplo da mesma coisa.

A pichação Cal-Mex, que surgiu em Los Angeles e retornou ao México, é diferente do modelo que predomina em todo os EUA e no próprio México.

Andando pelo Google Mapas por Guadalajara, antes de viajar, já havia constatado que a periferia dessa cidade estava igual a periferia de Los Angeles.

Pelo menos no que se refere aos rabiscos nos muros. Agora constatei pessoalmente o alcance da pichação mexico-californiana.

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Esquerda: em visão mais ampla, o comércio atendendo gradeado.

Estamos em Ecatepec, Zona Norte do México DF, mas é o padrão em toda periferia do México DF, do Poente ao Oriente, e também de Acapulco.

3 vistas aéreas do México DF. Repare como essa cidade é um deserto, não tem áreas verdes. A densidade é impressionante, mesmo na classe média, e sub-humana na periferia.

flores primavera tapete violeta méxico df d.f. z/o parque rosa roxo

Tapete florido no Bosque Chapultepec, Z/O do México D.F. .

No México, como na Colômbia, República Dominicana e em diversos outros países americanos, a segurança das pessoas simplesmente não é prioridade.

Não me refiro aqui a segurança pública, problema seríssimo no México e ao qual se dedica imensa atenção, ainda que por vezes do modo errado.

Entretanto, a se prevenir acidentes de trânsito e de trabalho não se dedica nenhuma atenção.

No México é extremamente comum verem-se pessoas viajando sobre caçambas de caminhões, sem nenhuma proteção.

Na imagem que ilustra essa mensagem, o caminhão está vazio, então ao menos não há risco de queda. Mas muitas vezes eles está carregado e as pessoas viajam sobre a carga, indo pro solo em qualquer freada mais brusca.

Os ônibus urbanos no México também viajam quase todos com as portas abertas. As pessoas por vezes entram e saem com o veículo em movimento. Mesmo sendo proibido.

Estava num micro-ônibus rumando a Zona Oeste do México DF, ou ao Poente no jargão local. Um guarda de trânsito mandou o motorista fechar a porta.

Ele obedeceu, mas na outra quadra, assim que saiu do alcance visual do policial, a abriu de novo, e assim seguiu até o ponto final.

2 tomadas feitas na Zona Sul da capital, de dentro do busão 2 andares da Linha Turismo: repare na placa vermelha, ‘pista exclusiva pros articulados da Metrobus’. Em outra mensagem, radiografia completa do transporte urbano no México.

Veem na foto a direita um caminhão de entregas. O ajudante viaja sem cinto e com a porta aberta. É o padrão por lá.

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Um furgão todo pichado. É mais uma manifestação importada dos EUA.

Quando estive em Nova Iorque e ‘Miami’, vi muito essa cena. Na República Dominicana e Chile essa moda também já pegou.

Uma plaquinha com o endereço e o nome da família que ali reside. Muito comum na periferia, especialmente nas favelas, onde as ruas não tem nome.

Duas cenas da Beira-Mar de Acapulco: o estandarte da pátria e depois o bairro da Caleta.

Bem perto do campus da Universidade Nacional. O time universitário é o Pumas.

Um caminhão e um carro muito velhos. A frota mexicana é bem mais velha que a brasileira, especialmente no transporte pesado.

A marca Dina é uma montadora mexicana, uma das poucas grandes empresas desse país que os ianques não compraram – ainda.

Falar nos EUA, o carro marrom visto mais pra cima é estadunidense.

Disse a vocês em outro emeio que é muito comum os EUA exportarem carros descartados, que ali são lixo de metal, pro México.

Muitos mexicanos, ávidos por parecerem ianques, compram essas latas velhas, verdadeiras banheiras, o que arruína seu orçamento por consumir 4 a 5 vezes mais combustível que um modelo menor mais econômico.

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Aqui e a direita: mais duas aéreas, quando eu chegava a Cidade do México.

Mais duas fotos tiradas enquanto eu andava na Linha Turismo da Cidade do México. Há duas Linhas turismo.

Uma atende as Zona Central e Oeste (a região mais rica da cidade) e outra vai pra Zona Sul.

Também por uma parte abastada, passando dentro do campus da universidade nacional mexicana, onde é o campo do Pumas.

Tanto o estádio quanto o time pertencem a universidade.

Enfim, voltando a Linha Turismo, há uma praça onde os dois trajetos se cruzam, e é possível fazer a baldeação sem pagar de novo. A linha que vai pra Zona Sul tem poucos veículos e o tempo de espera é grande, pela demanda ser bem menor.

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Antigamente o dólar era moeda corrente no México, aceito em toda parte, até em camelôs, como se fosse peso mexicano. Não é mais assim. Veem que em diversos lugares na capital a moeda ianque já não é mais bem-vinda.

Em Acapulco, entretanto, pela imensa quantia de turistas estadunidenses, ainda se pode pagar qualquer coisa, do táxi ao hotel a um cafezinho, em dólares.

Em outras imagens, voltamos a Ecatepec, Zona Norte metropolitana. Veem muito lixo. Aqui estamos no fim da cidade.

Havia um grande terreno vago, abaixo da linha de alta tensão, perto de um rio, numa área industrial deserta e desolada. Sabe nos filmes onde levam as pessoas pra serem torturadas? Então, era ali que eu estava.

Porém a sujeira não é ‘privilégio’ da periferia esquecida. Fotos mostram ‘Taxqueña’, um bairro de classe média na Zona Sul, mas que tem partes igualmente bem sujas. Bom, as cidades brasileiras também por vezes são horrorosas nesse quesito.

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Uma favela de sem-tetos justamente no Centrão da Cidade do México. Uma cena impressionante.

Um táxi em Acapulco. Esse não é Fusca. Mas ao lado dele há um Fusca particular. Estamos no México, afinal.

Fechemos com cenas amenas.

Pra contra-balancear a vibração dessa que com certeza é a mensagem mais pesada de toda a série, incluindo o que ainda será levantado pra rede.

Veem ao lado o Bosque de Chapultepec, em plena Avenida da Reforma, entre as Zonas Central e Oeste da Cidade do México. É o “Coração do México”, na definição deles.

Falei desse oásis verde em meio a essa selva de pedra cinza em outro texto. É pro México DF o que o Parque Central é pra Nova Iorque.

Observam o lago, os pedalinhos, e ao fundo os prédios comerciais. O tapete de flores violeta é de lá também.

flores primavera méxico df d.f. periferiaEsquerda:

Estamos de volta a Ecatepec, Zona Norte. Como já disse várias vezes, um subúrbio muitas vezes desolador.

Mas mesmo Ecatepec tem suas partes belas, floridas.

Podem matar muitas flores, mas não acabarão com a Primavera.

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Que Deus ilumine a todos.

Ele-Ela proverá”

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