Rio 40º: capital do melhor e do pior do Brasil

“Cidade-Maravilhosa, cheia de encantos mil“: Lagoa Rodrigo de Freitas, Praias de Ipanema e Leblon e hipódromo da Gávea; acima da manchete Pão de Açúcar e enseada de Botafogo (ambas as fotos do alto do Cristo Redentor).

Por Maurílio Mendes, O Mensageiro

Publicado em 7 de Setembro de 2022, Bi-Centenário da Independência da Pátria Amada

Esse texto fecha a série sobre o Rio de Janeiro, a verdadeira Cidade-Maravilhosa.

Seus encantos são mundialmente conhecidos, tão cantada em verso e prosa.

Até por isso escolhi algumas músicas pra nomear os textos da série: abertura, sequência e encerramento dela.

Sua beleza natural, e também seus problemas – sendo a violência urbana apenas um deles -, são bastante conhecidos.

Multidão de sem-tetos nas ruas de Copacabana: realmente, a “capital do melhor e do pior do Brasil” – Rio de Janeiro, lado ‘A’ e lado ‘B’.

BARRA DA TIJUCA, UM “SUBÚRBIO ESTADUNIDENSE”:

PERTO E LONGE AO MESMO TEMPO –

Até algumas décadas atrás a vida política e econômica do Rio se concentrava ainda no Centro, Zona Sul e nos bairros mais centrais da Zona Norte, ao redor do Maracanã.

Na Zona Oeste já haviam bairros diversos bairros operários e populares as margens do trem de subúrbio que sai da Central do Brasil e da Avenida Brasil.

Próximas 3: Barra da Tijuca, Zona Oeste, feriado de 7 de Setembro de 2020.

(Alias a famosa Av. Brasil chegou a ser chamada de BR-01 antes da base de numeração das rodovias federais ser transferida pra Brasília-DF, nos anos 70.)

A orla da Zona Oeste, entretanto, ainda era pouco urbanizada, e certamente bem menos aburguesada.

Em 1970 ainda haviam chácaras mesmo perto do mar, e poucas casas, quase nenhum prédio alto no bairro.

Praia da Barra, mais democrática no séc. 21.

Quando o fim do século passado foi se aproximando a situação mudou.

A região era pouco urbanizada e não tinha grandes favelas por perto.

Portanto podia ser remoldada mais livremente, o que era impossível na Zona Sul.

Segurança particular nos prédios (a frente ciclo-ponto que um banco disponibiliza).

Em Copacabana, Ipanema e entorno a densa urbanização, inclusive com ocupações irregulares nas encostas, tornavam impossível “recomeçar do zero”.

Enquanto que na Barra da Tijuca havia mais espaço disponível.

Então a alta burguesia começou a fazer do bairro uma espécie de “subúrbio estadunidense”.

Apenas na Barra as moradias de luxo eram muitas vezes em prédios, e não em casas como nos EUA.

Ressalvada essa diferença, as semelhanças são evidentes. Como já escrevi antes:

O pessoal da elite e alta burguesia escolheu a Barra da Tijuca pra estar distante e próximo do Rio ao mesmo tempo.

De volta a Copacabana: banca na praia com bandeiras dos 4 times do Rio; vemos o Posto 5 e o calçadão ondulado que é o símbolo da orla dessa praia e de Ipanema e São Conrado.

Poder aproveitar ao máximo a extensa vida cultural da cidade, ir a jogos no Maraca.

E ainda assim ficar afastado dos problemas cariocas, não o menor deles a violência.

No começo saiu como o planejado. Mas com a melhoria dos transportes o Rio ‘alcançou’ a Barra, se quiser ver assim.

Hoje, a Praia da Barra da Tijuca é do povão, igual as da Zona Sul.

Posto 8 na Barra: a numeração recomeça, e o desenho da calçada é outro; a Zona Oeste optou por se diferenciar da Zona Sul.

Não deu certo a estratégia de se isolar. Deixo pra vocês avaliarem se isso é bom ou ruim. ”

Até os anos 90 o acesso a Barra era bem mais complicado.

Em 1997, no entanto, é inaugurada a Linha Amarela, via expressa unindo as Zonas Norte e Oeste.

A partir daí os trabalhadores do subúrbio começam a passar os domingos também na Praia da Barra, não se restringindo mais a Zona Sul.

Centro fotografado da Ponte Rio-Niterói; ao fundo o morro do Pão-de-Açúcar.

Li na época num jornal de grande circulação nacional que os moradores da Barra apelidaram os suburbanos que vinham compartilhar a praia com eles de “Os Amarelos”.

Fazendo referência claro do caminho que eles utilizavam pra chegar ali.

Com ou sem a pecha, o fato é que a orla da Zona Oeste se tornou mais parecida com a da Zona Sul.

Praia de São Conrado; as casas em destaque na encosta são um condomínio fechado e não – ao menos nesse caso – uma favela.

E na década de 10 desse século 21 esse processo veio a se acentuar ainda mais.

De 2012 a 16 foram inaugurados os 3 ramais do BRT dos sistema TransCarioca e suas extensões.

Hoje se usa essa sigla, oriunda do idioma inglês (aqui em Curitiba, que criou esse modelo, chamamos de ‘Expresso’).

Jd. de Alá, que divide Ipanema do Leblon.

Nomenclatura a parte, o BRT só foi implantado nas Zona Norte e Oeste, no Centro e na Zona Sul não.

Ainda assim, ele liga de forma rápida e barata as periferias da Z/N e Z/O a orla da Z/O.

Antes pra ir dos distantes subúrbios da Zona Norte era preciso baldear de ônibus várias vezes, e eles iam parando em todos os pontos.

Arcos da Lapa, no Centro.

A cada baldeação tinha-se que esperar nova condução e pagar nova passagem, tornando inviável uma família numerosa do subúrbio ir a orla da Zona Oeste dessa forma.

Com o BRT tudo mudou. Articulados vão por pistas exclusivas, quase sem paradas e cruzando as montanhas por túneis.

Bairro do Joá, foto sobre a Ponte da Joatinga.

Assim e o trajeto é feito em uma hora e pouco, contra quase o dobro disso anteriormente.

Terminais fazem a integração gratuita com alimentadores, agora paga-se somente uma passagem.

Resultado: a Zona Norte e as vilas afastadas da Zona Oeste passaram a ter a Barra como opção de lazer acessível.

Próxs. 2 em Copacabana: “Herbie” está vivo.

Até porque da Z/O (Santa Cruz, Campo Grande, Sepetiba, etc) é bem mais perto ir a B. da Tijuca que a Zona Sul.

Passei o feriadão de 7 de Setembro (de 2020, exatamente dois anos antes desse texto ser publicado) na Barra da Tijuca.

Nas areias da praia que um dia foi um retiro pros que têm conta bancária mais alta hoje se ouve muito ‘funk’, exatamente como em Copacabana e Ipanema.

Árvores ‘deitadas’ da Av. Atlântica.

O Brasil é um só: ‘funk’ e favelas no Nordeste, bem como ‘funk’ e favelas no Sul. O Rio também é um só.

……….

Já seguimos com o texto. Antes algumas fotos do Pão-de-Açucar. Primeiro o museu que mostra os modelos anteriores do bondinho.

Panorâmicas do alto do Pão-de-Açucar:

Aqui e a seguir: o teleférico atual do Pão-de-Açucar, primeiro saindo do ponto inicial na Urca (destacado o nome na estação).

A TRILHA SONORA É A MESMA;

MAS AS CALÇADAS E Nº DOS POSTOS É DIFERENTE –

Como todos sabem, o desenho ondulado das calçadas da orla carioca é mundialmente famoso, um símbolo mesmo da cidade.

Pera lá. Da ‘orla carioca’ não. Da orla da Zona Sul carioca, melhor dizendo.

Esse ícone está presente em Copacabana, Ipanema e São Conrado.

Chegando na estação intermediária (detalhe).

No entanto, a Zona Oeste preferiu dispensar as faixas imitando as ondas.

Nas Praias da Barra da Tijuca e do Recreio dos Bandeirantes há nas calçadas o desenho de peixes.

Outra coisa: a numeração dos postos de salva-vidas também muda.

O Posto 1 é no Leme, dele até o Posto 6 em Copacabana.

Máfia do Trocen”??? Que seria isso? Simples, ‘Trocen’ quer dizer ‘Centro’ em ‘Tetecá’. E o que é ‘Tetecá’? É a ‘língua’ usada por jovens e grupos alternativos, que consiste exatamente em inverter a ordem das sílabas das palavras, daí o Centro ser chamado ‘troCen‘. O nome ‘teteCá’ é porque teria sido inventada no bairro do Catete. Essa mania não é exclusiva do Rio, certamente. Quando eu era adolescente, na nossa turma no Cristo Rei (entre as Zonas Central e Leste de Ctba.) todos os ‘piás’ tinham seu apelido em ‘teteCá’: o rapaz que se chamava Fábio era conhecido por ‘bioFa’, Maurício era ‘cioriMa’, Ramon virou ‘monRá’, Ricardo ‘doRicar’ e assim sucessivamente. Isso foi nos anos 90. Agora, 3 décadas depois (publico em 22), constato nas pichações dos muros que o costume continua ativo entre os jovens curitibanos. No entanto, aqui cada um tinha seu apelido em ‘teteCá’, mas fora isso não usávamos muitas outras palavras no ‘idioma’. Além isso, fora do Rio só adolescentes trocam as sílabas. Adultos não adultos conversam dessa forma. No RJ é bem mais difundida a prática, tanto em profundidade – muito além de criar apelidos, alguns de fato se comunicam usando em todas as frases mais palavras com sílabas em ordem invertida que correta – quanto em duração, mesmo adultos seguem falando assim, certamente a ‘Máfia do troCen’ não é um grupo de adolescentes, e sim de barbados. Em última análise se for utilizado entre pessoas versadas na prática cria um código inacessível a quem não é do grupo. Os pichadores cariocas, por exemplo, usam o ‘teteCá’ extensivamente, a própria palavra ‘pichação’ lá é muito mais conhecida pelo termo ‘xarPi‘, a ‘tradução’ pro ‘teteCá’.

No começo de Ipanema está o Posto 7, ou seja, a mesma numeração.

E o Posto 12 fica no final da Praia do Leblon. Em São Conrado está o Posto 13.

Portanto toda a Zona Sul usa a contagem iniciada em Copacabana/Leme.

Assim que adentramos na Praia da Barra, no entanto, nos deparamos novamente com o Posto 1.

A numeração zera. Mais uma vez a Zona Oeste se recusa a aproveitar o que veio da Zona Sul e cria seu próprio sistema.

Na contagem ocidental os Postos 1 a 8 estão na Barra, do 9 ao 12 no Recreio dos Bandeirantes.

Vejam vocês, visitei Pernambuco 2 meses depois do Rio.

Na orla da Zona Sul da capital a numeração dos postos se mantém mesmo em municípios diferentes (Recife e depois Jaboatão).

No RJ muda até dentro do município, pois a Z/O quis firmar que era diferente das outras praias cariocas.

Exatamente pelo que já falamos, a Barra e imediações não se via fazendo parte da mesma cidade.

No auge dessa tentativa, no começo dos anos 90 antes da Linha Amarela e do BRT, vinha surtindo algum resultado.

Uma reportagem dizia que boa parte das crianças dos condomínios da Barra sequer sabiam que moravam no Rio de Janeiro!

Quando iam ao Centro ou a Zona Sul elas falavam que ‘foram ao Rio’, como se a Barra fosse uma cidade a parte.

Ou melhor dizendo, seria o ‘Novo Rio. Aproveitando o melhor da metrópole, sem ter que compartilhar o pior.

Por um tempo funcionou como esperado, depois não mais.

Amanhece em Copacabana; a seguir o mesmo local, com dia claro e parcialmente nublado.

Eu mesmo comprovei, estive duas vezes na Praia da Barra da Tijuca, no final de 1997 e depois em 2020.

Nesses 23 anos que se passaram, o mar é o mesmo, mas o resto… quanta diferença!!!

Ainda assim, quando falamos que “o Rio alcançou a Barra” é de forma relativa.

De fato o bairro não é mais como era nos anos 90, quando se parecia mais com um subúrbio estadunidense do que com as praias da Zona Sul.

Ainda assim, o problema das balas perdidas não atinge a Barra, pois não há morros por perto.

Enquanto que essa situação é crônica em outros bairros cariocas, tanto no Centro, quanto burguesia e periferia.

As imobiliárias até colocam nos classificados o termo “sem morro“.

Os cariocas adoram orquídeas: reparei que diversas árvores na Zona Sul são assim, enxertadas com essas flores.

Pra indicar que o apartamento é longe das favelas, ou se for perto é na face oposta, onde os respingos dos tiroteios não chegam.

Se não tiver a indicação “sem morro” significa que da janela dá ver a favela.

Portanto o imóvel vale metade dos outros no mesmo prédio mas que não têm essa visão “privilegiada”.

Então. A Barra da Tijuca surgiu pra ser o “Novo Rio”, perto e longe ao mesmo tempo.

Diria que o resultado almejado foi parcialmente atingido.

Ali, todos os prédios são “sem morro”, o aviso é desnecessário. Por outro lado, nas areias da praia o público – e a música tocada – hoje é parecido com Copacabana e Ipanema.

Vejamos mais um pouco da B. da Tijuca, o bairro e sua praia:

Ancorada no Quartel da Marinha no Centro réplica de caravela feita pra celebração dos 500 anos do Brasil. Um leitor apontou os detalhes, vide a seção de ‘comentários’ abaixo.

Afinal, por que a Barra quis “se separar” do resto da cidade?

Se pararmos pra pensar, o Rio de Janeiro é uma das cidades mais belas do mundo, “senão a mais bela”, conforme já escrevi.

Por que alguém desejaria tendo o privilégio de estar dentro da Cidade-Maravilhosa ter uma certa distância dela?

Próxs. 3: Lagoa Rodrigo de Freitas; nessa clube bastante sofisticado que há numa ilha – Cristo Redentor abençoando ao fundo.

Certamente a proliferação descontrolada das favelas é parte fundamental dessa questão.

Já fiz muitas vezes esse esclarecimento, mas terei que fazê-lo de novo:

Não falo em “favelas” com desprezo burguês. Gosto de periferias.

Morei 15 anos numa das favelas de Curitiba, o Canal Belém, no Boqueirão, Zona Sul.

O morro separa os bairros da Lagoa e Copacabana (destaquei uma ave que ali vive);

Sei muito bem, inclusive na prática, que a imensa maioria de seus moradores são trabalhadores honestos, ao contrário do que propagam alguns de extrema-direita.

Agora, não podemos tapar o sol com peneira pois não resolve coisa alguma.

A expansão descontrolada das favelas já é um problema gravíssimo em si mesmo.

Além de gerar diversos outros, “não o menor deles a violência urbana” fora de controle, como abri o texto dizendo.

Quase não saí do lugar, só girei a câmera: a grade é do parque que tem campo de beisebol.

E, bolas, pode haver exemplo melhor disso que o próprio Rio de Janeiro?

As coisas são como são, e o ‘pensamento positivo’ tão em voga entre a extrema-esquerda em nada ajuda a entender o problema, muito menos solucioná-lo.

Chamar a favela de ‘comunidade’ e atribuir tudo ao ‘racismo’ não altera a realidade, apenas a mascara.

O Atlântico, Copacabana, a seguir a mesma montanha rochosa a separá-la da Lagoa: invertemos, pouco acima vimos o Cristo a partir da Rodrigo de Freitas, agora vemos a ela a partir do Cristo; na última estação do trem do Corcovado placa informa que ela fica 670 m acima do nível do mar.

Isto posto, sigamos. Como o Rio chegou a essa situação? Que aliás já se tornou crônica:

O Morro da Providência no Centro é a primeira favela do Brasil, de 1897 (abaixo falo mais disso).

Como todos sabem, o Rio de Janeiro foi capital do Brasil por praticamente 2 séculos.

Salvador foi a 1ª sede da administração portuguesa, ainda na época que éramos colônia obviamente.

Em 1763 essa primazia foi transferida pro Rio de Janeiro.

A estação antes do ponto final dá acesso ao centro de visitantes, que funciona no prédio que já abrigou hotel de luxo; a seguir o arborizado caminho da estrada de ferro.

Onde permaneceu até 1960, quando o presidente Juscelino Kubitschek inaugurou Brasília.

Ambas as decisões, tanto o fato do Rio passar a ser sede da administração federal quanto a de deixar de sê-lo, foram motivadas pela cidade ser no litoral e possuir porto.

A primeira mudança, da chegada da Corte, era porque por ali saíam os minérios preciosos.

E a segunda, de saída do Palácio Presidencial, foi justamente porque JK julgou ser necessário focar no interior dessa nação-continente, pois a parte próxima ao mar já estava mais desenvolvida.

No começo da exploração portuguesa no Brasil o Nordeste era o centro econômico da colônia. O Sudeste era secundário.

E a maior parte do Sul, Norte e todo Centro-Oeste nem eram parte do que viria a ser o Brasil.

Pois ficavam a oeste da linha delimitada pelo célebre Tratado de Tordesilhas (1494).

2 tomadas de São Conrado, Zona Sul.

As fundações de Belém-PA (1616) e Manaus-AM (1669) no Norte e a seguir Curitiba no Sul (1693) já fizeram parte do esforço luso de prescrever e re-escrever Tordesilhas.

Deus certo. Batida com os ‘fatos no solo’, a Espanha capitulou e em 1750 assinou com Portugal o ‘Tratado de Madri’.

Que concedia a Coroa Portuguesa um território já praticamente com a forma do atual Brasil.

Voltemos pra não perder o foco. Antes o Nordeste era mais importante que o Sudeste, e muito mais que o Sul, Norte e Centro-Oeste, nesses 3 últimos a colonização mal iniciara, se tanto.

No século 18, no entanto, dizendo novamente o porto do Rio de Janeiro aumenta o volume das exportações pra Portugal dos minérios extraídos basicamente em Minas Gerais, alias daí vem o nome do estado.

Com isso, a capital colonial é tirada de Salvador e mudada pro Rio em 1763, pra que a Coroa pudesse fiscalizar melhor esse fluxo, que era sua maior riqueza.

O Rio de Janeiro enriqueceu, teve sua ascensão portanto, por conta de sediar o governo e um importante porto.

Prédio em ruínas no Centro de Niterói, porém parcialmente habitado – a maioria dos apês estão vazios mas há alguns ocupados (já fotografei o mesmo em SP e em Joanesburgo/ África do Sul): quando estive lá, em 2020, o abandono do edifício era recente, podia-se perceber isso pelos letreiros do comércio que há pouco ocupava o térreo (detalhe). Também destaquei as pichações, algumas em andares bem altos – a “janelada” no jargão local. O Rio é inteiro pichado, e as letras são pequenas, redondas e unidas; exatamente ao contrário de SP, que igualmente é riscada de ponta-a-ponta mas onde as letras são grandes, pontiagudas e separadas.

Só que aí que a coisa começa a engrossar. A escravidão era legal no Brasil até 1888, fomos um dos últimos países no mundo a extinguir essa bárbara prática.

Sendo a escravidão prática corrente até fins do século 19, ninguém se surpreenderá muito que o Rio também tenha enriquecido com comércio escravagista.

Afinal, se o porto servia como porta de saída dos diamantes e metais preciosos, servia também como porta de entrada dos seres humanos que chegavam acorrentados.

O Rio enriqueceu, repito, sendo o governo e pelo comércio, de forma geral mas também o comércio de escravos.

Algumas favelas que há em morros hoje na cidade começaram como quilombos, pois os escravos fugidos se encastelavam nas matas nas partes altas da encosta.

Uma vez que estar mais ao alto que seu inimigo e ainda por cima em meio a mata facilita e muito a estratégias de defesa militar contra grupos invasores.

………

Mais um adendo fotográfico pra mostrar o ‘xarpi’, a pichação no Rio de Janeiro:

Copacabana, mas o autor mora em Manaus. – por isso a letra é bem diferente da carioca.

MORRO DA PROVIDÊNCIA, CENTRO RIO:

PRIMEIRA FAVELA DO BRASIL –

Junte-se a isso a supressão da Revolta de Canudos, ocorrida na Bahia em 1896/97.

O Exército Brasileiro teve que tentar 4 vezes mas ao final, com grande banho de sangue, conseguiu enfim debelar a revolta iniciada por Antônio Conselheiro.

Nas próxs. 5 o Centro, no detalhe o relógio.

E o que isso tem a ver com o Rio de Janeiro? Tudo. A sede do Ministério da Guerra era defronte a estação-tronco da Estrada de Ferro Central do Brasil.

(Vocês sabem que essa ferrovia liga o Rio, então capital, a São Paulo [passando pela cidade de Aparecida ‘do Norte’, “capital religiosa do Brasil” pra quem é católico] e Minas.

Hoje, quando praticamente não há mais viagens de longa distância pelo modal de trilhos, ela ainda tem uma função importante:

Em frente a Candelária.

É a Estação Central da extensa rede de trens de subúrbio.

Por isso extremamente presente na cultura popular, Inspirou um famoso filme homônimo.

E é cantada em várias músicas, a ‘Cara do Brasil’ (que nomeia a série de textos sobre a capital carioca) e uma do Rappa, entre muitas outras.

Do transporte falei com muitos detalhes e muitas fotos em outra oportunidade.

Aqui, nos importa que a região do Centro do Rio conhecida como ‘Central’ abrigava a sede do Comando-Maior das Forças Armadas, dizendo de novo.

Essa e a próxima da Ponte Rio-Niterói, o Cristo sempre presente, realidade de vários bairros do Rio.

As tropas que extinguiram Canudos começaram a regressar a capital federal, então o Rio evidente.

Só que o Exército não tinha mais necessidade imediata de um contingente tão grande na ativa.

Os soldados perderam seu soldo, e aí não tinham mais meios de sustentarem a si e suas famílias.

Aqui e a seguir vemos o porto.

E haviam ouvido a promessa que na volta dos combates ganhariam casa própria.

Porém o Estado renegou sua palavra, e a soldadesca ao regressar ficaram “a ver navios” (literalmente, pois o Porto do Rio é nas imediações).

Então alguns deles acamparam no morro em frente a Central, pra ficarem bem a vista do Comando-Maior Militar.

Em terra firme, o busão que me trouxe de Niterói já saiu da ponte, vista ao fundo.

Organizavam protestos, onde se liam nos cartazes: “Exigimos Providências”.

Pronto. Na boca do povo aquele passou a ser o “Morro da Providência”.

Como estamos no Brasil e muitas vezes assim acontece, nenhuma providência foi tomada.

“Azul da cor do mar” na Barra da Tijuca.

Exceto que o ‘provisório virou permanente‘, como sói ocorrer com frequência também.

Assim, em 1897 surge oficialmente a primeira favela do Brasil

O que era pra ser um acampamento de poucas semanas ou meses está lá até hoje, 125 anos depois (escrevo em 2022).

Posto 7 em Ipanema.

Até mesmo o nome ‘favela’ remete a Guerra de Canudos. Me diga uma coisa, você sabe o que é a palavra ‘favela’, na origem?

Hoje, pensamos nesse termo como um local de moradia mambebe, geralmente invadido.

Entretanto, antes de adquirir essa acepção, qual o sentido original da palavra?

Bairro do Flamengo, Zona Sul.

Simples. Muita gente não sabe, mas ‘favela’ é um tipo de cactus que prolifera no Sertão semi-árido Nordestino. O nome científico é ‘Cnidoscolus quercifolius‘.

Em Canudos havia o “Morro da Favela”, onde a planta ‘favela’ crescia em abundância.

As tropas trouxeram mudas do interior da Bahia. E as replantaram no local onde acamparam, no Centro do Rio.

Rua Uruguaiana no Centro, com seu camelódromo – passa uma viatura, o Rio estava praticamente sob ocupação militar.

Trouxeram também o termo. Assim, o local, além de conhecido como “Morro da Providência”, também passou a ser chamado na boca do povo como “Morro da Favela”.

Bingo. A partir daí o termo “favela” metamorfoseou-se em seu sentido corrente, uma aglomeração de casas precariamente construídas.

PROLIFERAÇÃO DE FAVELAS NOS MORROS:

A PRINCÍPIO A SOCIEDADE APOIOU –

Hoje pode parecer bastante incrível, mas é a pura verdade:

Nas próxs. 9 o Centro de Niterói e algumas tomadas feitas nas imediações.

Quando o movimento de surgimento de diversas favelas nos morros tomou escopo logo após a virada do séculos 19 pro 20 a alta burguesia apoiou e e facilitou o processo.

Não é difícil entender o porque, quando você consegue captar a dinâmica da sociedade da época.

Em fins do século 19, a parte ‘nobre’ do Rio ainda era a região central.

A classe média-alta e elite residiam nos bairros nas proximidades do núcleo original da cidade.

A orla da Zona Sul, que no século 20 assumiu essa primazia, antes dos túneis e da popularização do automóvel era uma parte distante e difícil acesso.

Claro que bairros como Copacabana e Ipanema já eram urbanizados.

Nesse prédio funciona uma delegacia, daí as viaturas estacionadas; era sábado, e várias mulheres esperavam a hora da visita na porta: de meia-idade e com roupa humilde, faziam fila na praça pra verem os filhos.

Acontece que na ocasião  poucas pessoas moravam perto da praia.

Pois era demorado e caro se deslocar todos os dias pra trabalhar no Centro, que era então o núcleo da cidade, em todas as dimensões.

Muito comum era as pessoas de melhores condições financeiras morarem no Centro e bairros logo nas imediações, e terem casas de veraneio na orla, onde elas passavam os fins-de-semana.

O começo da Zona Norte, de onde é possível ir ao Centro sem necessitar túneis, era bem povoado.

Alguns dos chamados ‘subúrbios’ já existiam mas eram na época relativamente bem distantes.

Chegando a ‘Niquíti’, ainda dentro da barca.

A Zona Oeste era esparsamente habitada, pra dizer o mínimo. Na verdade vários bairros ainda eram área rural.

Ou seja, a vida cultural, política e econômica da cidade pulsava mesmo no e ao redor do Centro.

Como eram os guetos de então? As favelas mal haviam se iniciado, não tinham importância na consciência da maioria das pessoas.

Nessa e a seguir tranquilas ruas residenciais.

O grande problema social então eram os enormes cortiços, chamados de ‘cabeça-de-porco’, que se espalhavam pela região central. Antigos casarões transformados em pensões.

Muita gente, as vezes perto de uma dezena, se amontoavam em um único quarto, dormindo precariamente uns sobre os outros.

Os banheiros, quando existentes, eram coletivos: um banheiro apenas pra pensão inteira muitas vezes, ou seja, que tinha que ser compartilhado por dezenas de pessoas.

Os cortiços eram fontes de diversos problemas sociais, de saúde pública principalmente, mas também focos de criminalidade.

Nem tudo é calmo; evidente, Niterói tem a mesma realidade de todo Brasil: aqui e a esq. a favela do Morro do Estado no Centro, a mais famosa “comunidade” niteroiense.

Quando aboliram a escravidão, em 1888, muitos ex-escravos estavam enfim livres.   

Porém sem emprego, moradia e qualificação pra conseguir casa e trabalho dignos.

Assim muitos foram se amontoar nas pensões ‘cabeças-de-porco’, aumentando a tensão numa situação que já era volátil por si só.

Por isso, quando muita gente começou a deixar os cortiços e ocupar as encostas do morro, a elite e alta-burguesia, que então se concentravam no Centro e proximidades, sentiu um alívio.

Incentivou e mesmo engendrou o movimento. Afinal, na visão da época, a área ‘nobre’ da cidade estava sendo ‘limpa’.

Diversas encostas de bairros começaram a ser ocupadas por favelas.

Como a região da Tijuca, Grajaú e Vila Isabel, bem como muitos outros bairros da Zona Norte. O mesmo se deu na Zona Sul.

As pessoas de mais dinheiro, repito, não apenas não se importaram como acharam muito bom.

Pois na visão deles na ocasião isso estava melhorando onde realmente importava.

Mesmo a Zona Sul não tinha nem de perto a importância que viria a ter depois, e certamente não seria a degradação da Zona Norte que esquentaria suas cabeças.

As próximas 3 fotos de dentro do ônibus, no trajeto de volta pra capital do estado.

Veio a massificação do automóvel, vieram os túneis, e a situação mudou radicalmente.

O Centro, mesmo com o esvaziamento de vários cortiços, acabou perdendo importância como local ‘seleto’ pra se viver.

A classe média-alta agora tinha condições de morar perto do mar e ir diariamente ao Centro trabalhar.

Já na Ponte, contornando Porto de Niterói; ao fundo o Centro da ‘Cidade Maravilhosa’.

E logo até boa parte dos empregos foram migrando também pra Zona Sul.

A região mais central da Zona Norte, pouco após o estádio do Maracanã, também se consolidou como uma parte importante de classe-média.

Só que agora as favelas já estavam em diversas encostas, em todas as faces do Maciço da Tijuca e outras montanhas, nas Zonas Central, Sul e Norte. O que fazer?

De volta ao Rio – mudei de município mas a situação permanece: morro na Zona Central.

Na primeira metade do século 20, praticamente nada foi feito.

O resultado está aí. Veja a cena a direita. E isso ao lado do Centro da cidade.

Mais uma galeria de imagens, a seguir prosseguimos a linha do tempo:

ANOS 60/70: BRASÍLIA É INAUGURADA; O RIO DEIXA A SEGUIR DE SER ESTADO; O REGIME MILITAR TENTA EXTINGUIR AS FAVELAS DA ZONA SUL MAS NÃO CONSEGUE –

Próxs. 7 imagens: bairro do Leblon, Zona Sul – as 2 primeiras na praia, evidente.

Veio a virada pros anos 60, e com ela grandes mudanças.

Em 21 de abril de 1960, Brasília é inaugurada, e com isso o Rio deixa de ser a capital nacional, posto que ocupou por praticamente 200 anos.

Até então o atual município do Rio de Janeiro era o Distrito Federal.

Aqui onde o canal do Jardim de Alá desemboca no mar (portanto é a divisa com Ipanema). Que céu azul, hein? Fala você!

Ou seja, não pertencia ao estado do Rio de Janeiro, mesmo estando dentro dele e tendo o mesmo nome (situação que ainda ocorre no México e Argentina).

A capital do Estado do Rio de Janeiro era Niterói, do outro lado da Baía de Guanabara.

Em 1960, como todos sabem, veio a nova sede máxima do poder.

Sequência de 5 nas ruas internas do bairro.

No começo, pras pessoas se acostumarem que o Distrito Federal não era mais no Rio, se falava ‘Distrito Federal de Brasília’.

Um pleonasmo evidente mas necessário por um tempo, até a ideia se consolidar.

O município do Rio passou a se constituir no Estado da Guanabara.

Foi uma espécie de ‘transição’. Pro Rio não ser rebaixado imediatamente de Distrito Federal a mero município, foi um estado, por mais 15 anos.

Então de 1960 a 1975 quando você saía do Rio e ia pra Baixada Fluminense ou pra Niterói mudava de estado.

O núcleo da cidade era numa unidade da federação, a região metropolitana em outra.

A capital do estado do Rio de Janeiro permanecia em Niterói.

Centro de compras, o Cristo observando tudo do alto – no detalhe também a placa que indica a 14ª D.P. (eu destaco o nome dos estabelecimentos como uma referência geográfica apenas: pra você saber onde a foto foi tirada, e não pra fazer propaganda).

Em 1975 não teve jeito. Consideraram que o período de transição findara, e os estados do Rio de Janeiro e Guanabara foram fundidos.

Isso significa que o município do Rio deixou de ser o estado da Guanabara e passou a ser a capital do estado do Rio de Janeiro.

Niterói então passou a ser somente um município, cessando de ser capital evidente.

A Assembleia Legislativa do Estado do Rio (cuja sigla é ‘Alerj’) está atualmente no Palácio Tiradentes, no Centro do Rio, que sediava o Congresso Nacional até 1960.

Ciclo-ponto que um banco oferece em muitas cidades brasileiraslatino-americanas; há vários nos bairros mais aburguesados, no Rio quem tem o privilégio de morar e trabalhar na orla pode ir de bici, pega num ponto perto de casa e devolve noutro ao lado do trampo, na volta vice-versa; a ideia é essa, não sei se muitos aderiram como era esperado.

Por sua vez, a Câmara de Vereadores de Niterói funciona no prédio que anteriormente abrigava a Alerj.

Ambos os prédios foram ‘rebaixados’ em uma esfera, de federal pra estadual num caso e estadual pra municipal em outro.

……..

JK inaugurou Brasília. Mas seus sucessores, Jânio Quadros e João Goulart (‘Jango’), não gostavam da nova capital, por vários fatores:

Era muito seca, sem mar e muito longe de tudo. Além disso, em alguns aspectos a cidade ainda estava em formação.

De um lado da rua há um ‘shopping’ com várias lojas juntas; do outro lado há várias delegacias juntas, 3 sendo mais exato: a distrital que é o 14º D.P. que a placa mostrou, DEAT (Delegacia do Turismo) e DAS (Anti-Sequestro – essa teve bastante trabalho nos anos 90, destaquei o desenho da águia).

Então os prédios públicos já tinham toda a infra-estrutura necessária pra alguém governar, sim.

Só que obviamente em sua primeira década a vida cultural da nova capital era ainda iniciante, se comparado com o Rio então bem escassa.

Retardavam a transferência completa do governo. Caso esse curso tivesse se mantido, provavelmente Brasília teria sido abandonada.

Hoje seria uma cidade-fantasma no meio do Cerrado Goiano. Teria sido só uma brincadeira.

Uma brincadeira bem cara, alias, ao custo de bilhões sobre bilhões.

Na Lagoa; dia, repito, totalmente sem nuvens.

Porém veio o regime militar, e os generais ‘vestiram a camisa’ de Brasília, e concluem o processo de transição pra nova capital.

Por exemplo, JK construiu Brasília e a Rodovia Belém/Brasília.

Acontece que ele não teve tempo de mudar a numeração das estradas federais, que continuou centrada no Rio.

“Rio a Pé”: placas que indicam a distância de caminhada pra vários pontos de interesse, estão em diversos pontos da cidade; a foto é na divisa Ipanema x Copacabana.

Como dito acima, a Avenida Brasil era a BR-01, enquanto que a Via Dutra, principal estrada desse país ligando o Rio a São Paulo, era a BR-02.

Os militares fizeram essa parte. Agora o número de cada estrada federal (BR-116, BR-050, BR-381) indica a posição da mesma em relação a Brasília, e não mais a antiga capital.

Por exemplo, a própria Via Dutra agora é parte da BR-116, como todos sabem.

Aqui e a esquerda: Copacabana.

Voltando a nosso foco de hoje, os militares retiraram qualquer possibilidade do governo nacional voltar pra sede anterior, mas não esqueceram de investir no Rio de Janeiro.

Em Botafogo, na Zona Sul carioca, há o Morro do Pasmado.

Então. Até 1964 ele estava ocupado por uma pequena favela.

Assim que assumiu, em 64 mesmo, o regime militar demoliu a favela do Pasmado.

Transferindo os moradores pra conjuntos habitacionais nos subúrbios das Zonas Norte e Oeste, que a época eram muito distantes.

Era só o ‘início dos trabalhos’. Ao redor da Lagoa Rodrigo de Freitas haviam 2 grandes favelas:

A do Morro da Catacumba (que obviamente é na encosta da montanha) e a da Praia do Pinto, que era plana.

Base da P.M. no bairro do Flamengo.

Em 1969 ambas são desmanteladas, novamente seus moradores foram removidos pra longínquos conjuntos habitacionais no subúrbio.

Que são criados especificamente pra isso. O mais famoso deles é a Cidade de Deus, na Zona Oeste, que já foi tema de livros e filmes.

Centro: trilho do VLT e onipresentes viaturas.

Também se destacam as Vilas Kennedy e Aliança. Foram financiados em parte pelo governo estadunidense, através da chamada ‘Aliança pro Progresso’.

Daí alias os nomes, um chamado Vila Aliança e outro homenageando o ex-presidente ianque, morto em circunstâncias suspeitas em Dallas/Texas, nos EUA, no ano de 1973.

Nas próxs. 6 fotos seguimos no Centrão; bem, o nome do prédio já entregou, não?

O governo pretendia extinguir todas as favelas da Zona Sul do Rio.

Na virada pros anos 70, prédios de luxo lançados em São Conrado, perto da Rocinha, chegavam a trazer nos panfletos imagens do morro com a mata reflorestada, sem a favela.

Já em 64 tiraram uma pequena favela, a do Pasmado. E em 69 duas favelas grandes, a Catacumba e Praia do Pinto.

Na sequência viriam também a Rocinha, Vidigal, Cantagalo-Pavão/Pavãozinho, Babilônia/Chapéu Mangueira, Cabritos/Tabajaras e em última análise todas as favelas perto da orla.

Cinelândia’, que ganhou esse nome porque num passado já distante ali se concentravam os cinemas, quando o Centro do Rio vivia dias muito melhores. Hoje a região está bastante degradada, o moderníssimo VLT sendo uma tentativa de renascimento.

No começo da década de 70, embalados pelo tri-campeonato na Copa do Mundo do México em 1970, a burguesia carioca sonhou com isso, com uma orla sem favelas nas encostas.

E assim se daria, se o vento não tivesse mudado. Mas ele mudou.

Em 1968 vem o Ato Institucional nº 5 (‘A.I.5‘), que endureceu de vez a conjuntura política brasileira.

A partir de 1969 – justo o ano de remoção da Catacumba e Praia do Pinto – a guerrilha intensifica seus ataques contra as forças de segurança.

Não vou entrar no mérito aqui se as ações da guerrilha são justificadas ou não, senão descambaria pra uma discussão altamente polarizada e infindável.

“Liga da Justiça”; mas faltou o Super-Homem.

O que importa é: praticamente todas as embaixadas ainda se localizavam no Rio de Janeiro.

Os embaixadores dos EUA e da Suíça são sequestrados, como se sabe.

E esses atos foram facilitados pela geografia peculiar do Rio.

Com suas ruas estreitas em vários pontos e muitos morros ocupados por favelas, inclusive com muita mata em alguns casos.

Avenida Presidente Vargas na esquina com a Uruguaiana, o busão chegando a Central.

Nada disso existe em Brasília. É uma cidade plana e com largas avenidas.

Por conta disso, quase todos os países, com uma década de atraso, enfim mudam as embaixadas pra nova capital, por motivos de segurança.

Isso consolida Brasília, eliminando mais um traço de capital que permanecia no Rio.

Por outro lado, o governo federal precisa agora centrar forças em combater as ações da guerrilha.

Com isso, o projeto de eliminar as favelas da Zona Sul do Rio é temporariamente suspenso.

Não restam dúvidas, é a “Cidade-Maravilhosa”. Mas…

A Rocinha e outras ‘comunidades’ seriam removidas depois, quando a coisa acalmasse.

Porém quando a violência política enfim amainou, do meio pro fim dos anos 70, o regime militar sentia que se encaminhava pro fim.

E iniciou a transição pra democracia, promovendo gradualmente a anistia, fim da censura, volta dos direitos políticos e eleições diretas pra governador e prefeito das capitais, etc.

…cheia de contradições: camelôs no Centro…

Não havia mais clima pra remoções forçadas de favelas.

Compreensível que boa parte dos ‘beneficiados’ com uma casa nos distantes subúrbios rejeitasse esse ‘presente’.

Os moradores dos morros da Zona Sul trabalham ali perto, afinal esse é o principal polo de empregos da cidade.

… e lixo e sem-tetos em Copacabana.

E ninguém quer ir residir onde é preciso ficar de 2 a 3 horas sacolejando em trens e ônibus todos os dias na ida e o mesmo tempo na volta, pra poder chegar ao trabalho.

Preferem morar nos morros da orla, mesmo que esses não tenham infra-estrutura, a ter uma casa regularizada com água, luz, saneamento e escritura mas no que aparentava ser o fim da cidade.

Esquina, também em Copa; mesma Souza Lima da foto da favela acima; em Curitiba ‘Raul Pompéia’ é uma rua na CIC, que é o bairro mais populoso da cidade na Zona Oeste.

No fim dos anos 60 o projeto militar ainda estava no início.

Então ele tinha todo gás pra simplesmente pôr os moradores do Pasmado, Catacumba e Praia do Pinto num ônibus.

E determinar relocação compulsória pra Cidade de Deus, Vila Aliança, Vila Kennedy, etc.

No entanto, durante os combates mais encarniçados contra os rebeldes essa deixa de ser a prioridade.

Pão-de-Açúcar visto da Praia de Copacabana; atrás dos prédios do Leme o morro das favelas Babilônia e Chapéu/Mangueira. Antes de conhecer a origem, sempre desconfiei que esse nome tinha a ver com a Favela da Mangueira da Zona Norte. E tem mesmo: na Mangueira original, perto do Maracanã, havia a “Fábrica de Chapéus Mangueira“, que tinha até time de futebol. Os flamenguistas sabem que o primeiro jogo da história do Rubro-Negro foi uma sonora goleada de 15 x 2 contra esse clube de operários em 1912. Pois bem. Não sou torcedor do C. R. Flamengo, não inicie uma discussão clubística pois não é o espaço pra tanto. Contei pra voltarmos a favela da Zona Sul, cujo nome se originou da favela da Zona Norte.  Foi assim: a empresa pôs no final do Leme placa anunciando a “Fábrica de Chapéus Mangueira”. Quando o morro foi invadido, acabou sendo conhecido por “Chapéu /Mangueira” por causa desse anúncio.

E uma década depois de 1964 o clima já está bem distinto.

No final dos anos 70, as pessoas começam a ter maior liberdade política.

Até pra remediar os piores excessos que ocorreram nos anos de ‘guerra suja’.

Portanto não dá mais pra usar força policial pra arrancar as pessoas de suas casas nos morros e obrigá-las a se mudarem pra um subúrbio que elas não querem ir.

A Rocinha e todas as outras favelas da Zona Sul estão ali até hoje.

Fora que cresceram muito de tamanho nas últimas décadas.

Também houve grande aumento das favelas nas outras partes da cidade, evidente:

Zonas Central, Norte e Oeste (nesse caso muitas vezes as favelas são planas) e Grande Rio (Baixada e a ‘Grande Niterói’ do outro lado da Baía).

Agência dos Correios no Centro – a seguir uma carteira, já que tocamos no tema insiro esse desenho (de outubro de 2017).

O resultado é que parece que os cariocas se acostumaram a conviver com a violência de forma crônica.

Pior, de tempos em tempos explodem ondas de ações criminosas.

Que por sua vez exigem ações do estado que lembram ocupações militares ou conflitos bélicos.

Quando estive no Rio, em 2020, o que presenciei foi algo bastante preocupante:

Uma cidade ocupada militarmente, qual se fosse Bagdá/Iraque ou Cabul/Afeganistão.

É o que tem pra hoje, meu irmão. Como a música bem definiu:

Rio 40 graus;
Cidade maravilha,
purgatório da beleza e
do caos;

O Rio é uma cidade de cidades misturadas;
O Rio é uma cidade de cidades camufladas;
Com governos misturados,
camuflados, paralelos;
Sorrateiros …
ocultando comandos;

Capital do sangue quente;
Do melhor e do pior
d
o Brasil

Qual a solução? Não sei.

Sabe rezar? Reze. Não sabe? Aprenda.

O Cristo é o símbolo máximo da cidade, visível de várias partes dela.

Então encerramos a série como a abrimos, com essa imagem.

Que Deus Pai Abençoe o Rio de Janeiro.

Deus proverá

4 comentários sobre “Rio 40º: capital do melhor e do pior do Brasil

  1. Fábio disse:

    Muito legal a explicação do “dialeto” teteCá. Parece-me que essa era uma “onda” também entre os mais antigos. Lembro que meu Tio, que mora no interior contava que a moçada usava além da “língua do P”, essa de trocar as sílabas. Então, o povo andava de taclecibi, tomo e curtia jogar uma tapelo. Haha. Um pequeno adendo, a antiga embarcação que você mostrou, é uma réplica de uma caravela, que foi montada por ocasião dos 500 anos do descobrimento do Brasil. Se não me engano, essa é uma que falhou inclusive, por uma pane no motor (é… não é uma recriação histórica, é uma réplica mesmo) e teve que ser rebocada às pressas para não correr o risco de adernar e afundar por estar à deriva (isso pode acontecer com qualquer tipo de embarcação na verdade). Forte abraço!

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    • omensageiro77 disse:

      Firmeza total irmão. Fala que é nóis.

      Pois é, eu, você e esse colega que comentou abaixo fomos adolescentes nos anos 90, e foi aí que conhecemos mais profundamente o dialeto ‘teteCá’. Mas eu sabia que essa mania é mais antiga que isso.

      Lembra do ‘Documento Especial’ da extinta Rede Manchete? Foi ao ar de 1989 a 1992. E eu tomei conhecimento do ‘teteCá’ num desses programas.

      Portanto se na virada dos anos 80 pros 90 o ‘idioma’ já chamava a atenção o suficiente pra ser pauta de um documentário em rede nacional é porque a consolidação da prática já se dera na década de 80, pelo menos.
      ……….

      Quanto a questão da caravela, agradeço os apontamentos, precisos como sempre. Atualizei o texto com eles.

      Abraços, Deus abençoe.

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  2. Paulo disse:

    No finzinho dos anos 90 também virou mania trocas as sílabas entre a gurizada de Curitiba.

    Eu estudava no Expoente, colégio particular, e lá a turma do fundão trocava as sílabas pra posar de vida loka.

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    • omensageiro77 disse:

      Grande Paulo, firmeza total.

      Pois é, escrevi no texto que isso aconteceu em Curitiba nos anos 90, e na verdade acontece ainda hoje. Apenas não na mesma profundidade que no Rio, pois aqui fica restrito basicamente aos adolescentes, enquanto que lá é mais generalizado, usado por adultos de grupos ‘alternativos’ a margem da sociedade.

      Abraço, Deus abençoe. Valeu pelo comentário.

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