Por Maurílio Mendes, ‘O Mensageiro’
Publicado em 19 de agosto de 2015
Com esse texto fechamos a série sobre o Chile.
Vamos falar claramente:
A mídia capitalista criou um mantra que esse país é uma exceção na América Latina.
Nada poderia ser mais distante da realidade:
O Chile é uma nação americana (por isso quero dizer latino-americana).
Tanto quanto Brasil, Colômbia, México, etc, com tudo que isso implica.
Sim, é verdade: a capital Santiago quase não tem favelas. São cerca de apenas 10.
Pra uma população de mais de 5 milhões de pessoas, não está nada mal.
Isso porque ela foi intensamente re-urbanizada no governo Pinochet e sub-sequentes.
Urbanisticamente falando é uma cidade inglesa.
Sua periferia é composta quase inteira de conjuntinhos geminados, seja de casas térreas ou sobrados.
É de fato impressionante, parece que você está em Manchester, Liverpool ou Dublim.
E o índice de assassinatos é pequeno. Isso também é um fato.
………..
Agora, isso não torna o Chile uma nação europeia em plena América.
Como querem falsamente vender essa ideia.
Eu te digo porque:
– Primeiro, mesmo quase não tendo favelas Santiago tem também miséria.
Assim que o lixo é colocado nas ruas do Centro, uma multidão de miseráveis surge do nada e rasga os sacos.
Tentando achar algo que possa ser vendido, evidente.
Tem mais: a cidade tem muitos vendedores ambulantes (camelôs).
Alguns no Centro, mas muitos mais nos subúrbios afastados.
É um sintoma clássico de desemprego ou sub-emprego elevado.
Se você conhece o México, sabe o que quero dizer.
– Segundo, e consequência de uma alta desigualdade social varrida pra baixo do tapete.
Se há poucos assassinatos – e isso é muito bom, óbvio – não significa que a cidade não seja violenta. Exatamente ao contrário. O índice de roubos e furtos é alto.
As casas chilenas têm tantas grades e cercas elétricas quanto no Brasil. Não é necessário explicar além disso.
Em alguns quesitos chega a ser pior que no Brasil. Em Santiago é infinitamente comum os comércios atenderem gradeados.
Sabe, já rodei uma boa porção do Brasil e da América.
Certamente onde esse fenômeno é mais comum entre as partes que já estive são no México, Colômbia e Belém (já está no ar mais uma matéria sobre a capital do Pará, onde abordo melhor esse tema).
Em Santiago há menos lojas gradeadas que nesses 3 lugares.
A Colômbia amenizou muito sua guerra civil. Mas eu diria que em termos de assaltos, de criminalidade comum, é a que está pior de todos, é onde há mais grades nas lojas. No México e Chile, olhe, está quase empatando.
E em Santiago certamente há muito mais que em todas as outras metrópoles brasileiras, República Dominicana e Paraguai.
Muito mais, sem comparação possível.
– 3º, é só Santiago que tem poucas favelas.
As cidades do interior têm centenas delas. Fui em Valparaíso (2ª maior metrópole da nação) e comprovei pessoalmente.
Não tive a oportunidade de visitar Concepção, a 3ª maior, mas um colega que lá esteve me relatou que a situação é a mesma.
– 4º e mais importante: em espírito, Santiago é totalmente americana.
Totalmente. Pra começar, ouve-se muito ‘rap’, como em toda América.
Na Argentina (o que em termos de Energia inclui seus satélites culturais Paraguai e Uruguai) e também na Bolívia quase não se ouve ‘rap’.
Musicalmente esses países se desgarraram da América, têm sua própria vibração espiritual.
Pois bem. O Chile não é satélite da Argentina, e portanto não vibra com ela.
O Chile pulsa com a América. Veja a direita o cartaz de uma apresentação.
…………
Mas a bomba mais forte está por vir:
Em Santiago é muito comum ‘puxadinho’ em prédio.
É uma característica das raças escuras:
Adaptar as casas, erguendo novos andares por conta. Ou ampliar pro lado, fazer mais uma peça ou uma edícula na frente.
Isso existe em toda América Latina, África e maior parte da Ásia.
É inaugurado um conjunto habitacional digamos aqui na periferia de Curitiba.
Assim que os moradores entram, já começam a mudar a arquitetura de suas moradias.
Se você passar lá 20 anos depois, não perceberá que aquilo era no início um conjuntinho padronizado.
Pois é tanto puxadinho que que cada casa tem uma cara diferente.
Onde predomina a raça branca não é assim, exatamente ao contrário.
Ninguém mexe no modelo da residência que recebeu.
Um ou outro pinta de cor diferente, mas ninguém ergue novos andares.
Ande (nem que seja pelo ‘google mapas’) pela periferia de Londres.
Ou Nova Iorque, ou qualquer outra cidade do eixo Europa-América do Norte-Oceania-Israel.
As casas são sempre iguaizinhas umas as outras. Sempre, nunca muda.
Passam 10 anos, tudo está igual, passam 20, 30 anos, você nota a ação do tempo, mas ninguém – eu enfatizo:
Ninguém encheu laje e subiu mais um andar por conta.
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AGORA AO VIVO: A ALMA DE UM POVO VOCÊ NÃO MUDA, JAMAIS –
Então puxadinho em casa é normal em 3 continentes, mesmo no Sul do Brasil que tem cultura relativamente europeizada.
Mas e puxadinho em prédio, você já viu? Sim, é o que estou afirmando:
Num edifício alguém faz mais um andar – ou mais um cômodo precariamente suspenso por uma viga mal-ajambrada e artesanalmente colocada !!! – por sua conta.
Sem alvará, sem arquiteto assinar, temeridade total.
Já viu? Pois eu já vi. Em 2 e somente 2 lugares: na República Dominicana e no Chile.
Agora, no Caribe existe mas é raro, presenciei dois casos somente. Mas no Chile é o padrão. Padrão, amigos.
Vá um dia ao bairro Maipú, na Zona Oeste de Santiago, e comprovará o que afirmo.
Todos os prédios tem puxadinhos. Quase todos, no mínimo.
Tem mais: na Rep. Dominicana os puxadinhos eram sempre de casos em que se ergueram mais um andar na cobertura do prédio.
Adicionou-se mais peso que a estrutura do edifício foi planejada pra suportar mas pelo menos não se desafia abertamente a lei da gravidade.
No entanto, esses cômodos suspensos ‘insustentável leveza do ser’ só existem mesmo no Chile.
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Já seguimos com o texto. Vamos ver mais cenas de Maipú e imediações, Zona Oeste da cidade:
A avenida principal. Alguns conjuntos horizontais de classe média-baixa.
Na penúltima cena o posto de saúde, e na última se você ampliar poderá ler uma placa do governo que indica que a aquela cohab se chama ‘Vale da Esperança’.
Apenas uma das muitas cohabs de Maipú.
A periferia de Santiago tem poucos prédios.
Edifícios altos na Zona Central pra classe média existem aos montes, tanto quanto no Brasil.
Mas conjuntinhos de 3 a 6 andares (os ‘pombais’) pra classe baixa e média-baixa são raros.
Ao contrário da República Dominicana e de boa parte dos EUA (Nova Iorque certamente, e até pouco tempo atrás também Chicago), em que o prédio é habitação típica da ralé, dos depauperados.
No Chile não é assim.
O subúrbio de Santiago é 90% horizontal, predominam de forma absoluta conjuntos de casas geminadas, sejam térreas ou sobrados.
Há prédios, mas são bem poucos. Isso nas Zonas Leste, Sul e Norte.
A Zona Oeste, com o epicentro em Maipú, é a exceção.
Ali os pombais são quem predominam, há dezenas de conjuntos desses predinhos um emendado no outro.
Em Maipú eu me senti de volta a Santo Domingo, ou a vez que fui aos guetos de Nova Iorque.
Ou se preferir exemplos brasileiros me senti no Rubem Berta, na Zona Norte de Porto Alegre-RS, ou na Cidade Tiradentes, na Z/L de SP.
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Clique sobre as fotos que elas aumentam, o mesmo vale pra todas.
As cenas falam por si mesmas. O que os caras fazem por lá até Deus duvida .. . .
Estudar arquitetura no Chile é um grande barato!!!
A coisa é tão forte lá que eu já havia percebido antes de visitar esse país.
Apenas andando por ele via ‘google’ mapas.
E mandei-lhes um emeio, os que já participavam de nosso canal de comunicação nessa época pioneira se lembram:
“Puxadinho no prédio? O Chile é América”. Ou algo assim, não lembro as palavras exatas mas o sentido era esse.
Vou me repetir ainda mais uma vez, pra que o negócio fique claríssimo.
No Brasil, Colômbia, México e Paraguai, que são países bem confusos de forma multi-dimensional, não existe isso.
Na Rep. Dominicana, que é um pedaço da África dessa lado do Oceano, existe mas muito pouco.
No Chile, e na “europeia” Santiago, existe aos montes.
Agora ao vivo. Puxadinho no prédio? E nessa proporção gigantesca?
Só uma conclusão é possível:
Se você gastar bilhões sobre bilhões, você pode reconstruir uma cidade como você queira.
Pode fazer centenas de milhares ou mesmo milhões de novas moradias, ao estilo inglês.
Isso foi feito em Santiago.
Entretanto, você só altera o plano material, a manifestação externa.
A Alma de um povo você não muda. Porque é isso que ele é, e nunca deixará de ser:
Santiago é América. De corpo não, mas de Alma sim.
E como é!!!
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Fui em Maipú.
Todas as cidades da Argentina e do Chile têm uma rua importante, ou mesmo um bairro chamado ‘Maipú’.
Você sabe o porquê?
Obviamente teria que ser algo que una a história desses dois países vizinhos. E assim de fato é.
Maipú é um monte na Cordilheira, na divisa entre ambos.
O Brasil teve sua independência da metrópole europeia tardia, porém pacífica.
Nos países hispânicos esse está longe de ser o caso.
Quando fui a Colômbia, vi que a guerra da independência lá foi cruel.
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O mesmo se deu na República Dominicana.
Se tornou independente, mas a Espanha não se conformou e re-ocupou a ilha.
Tendo sido necessária portanto segunda batalha secessionista.
Assim também foi no Chile. Após um triunfo inicial dos nativos, a Espanha reocupa a nação com força total.
Os portos estavam muito bem guardados, pois a Coroa Espanhola esperava que por ali chegasse reforço aos rebeldes.
Mas o general argentino São Martinho foi mais esperto que os comandantes do Real Exército Espanhol.
Ele comandava o ‘Exército dos Andes’ (argentinos que auxiliavam as demais nações americanas a se livrar da Espanha, como o venezuelano Bolívar fez mais ao norte).
E chegou por onde não se esperava: cruzou os Andes.
Foi uma travessia muito, muito difícil, afinal além dos soldados vieram as peças da artilharia, em lombos de mulas.
Mas valeu a pena. Ele pegou o inimigo no contra-flanco. A vitória na ‘Batalha de Maipú’ foi decisiva pra independência chilena.
E como é um feito com grande colaboração argentina, por isso o nome honrado dos dois lados da Cordilheira.
…………
Os municípios no Chile são menores que no Brasil.
O município de Santiago pega apenas uma parte do Centro da cidade.
Se você caminhar umas quadras pra leste ou sul já entra em outra divisão administrativa.
Pra oeste e norte então é pior ainda, o município de Santiago é minúsculo nessas duas direções:
Mesmo no Centrão da metrópole já estamos em outros municípios.
Lhes falei em outra postagem que Santiago tem duas rodoviárias, uma secundária a oeste, a ‘dos Passarinhos’.
E a principal bem no Centro. Chama-se ‘Estação Central’. Anexa a estação de trens.
Pois bem. Esse é o nome não apenas da rodoferroviária, mas também do município que a contém.
Estranho, não? Você morar num município que se chama ‘Estação Central’. Mas é o que acontece.
E o próprio nome ‘central’ indica que estamos no coração da metrópole.
Pra norte o mesmo ocorre. Você está no Mercado Municipal. Quase no marco zero de Santiago.
(Adendo: Ali foi tirada a foto ao lado. Numa lanchonete se anuncia bem no alto: ‘ponto Bip’, ou seja, que faz recarga do cartão do ônibus/metrô.
São milhares de pontos pela cidade, em cada mercadinho/banquinha.
É facílimo usar o cartão em Santiago, bem ao contrário de Curitiba.)
Volta o texto principal. Você está no Mercado.
Mas cruze o Rio Mapocho que você adentra o município de ‘Recoleta’.
Recoleta é Centro de Santiago. Mais Centrão impossível. Só que tem seu próprio prefeito.
Ali fica o Patronato, um bairro similar ao Bom Retiro paulistano:
Centenas de lojas de roupa se enfileirando, vem gente do país inteiro comprar no atacado.
Como visto ao lado.
Imagina se o Bom Retiro não ficasse no município de São Paulo.
E sim fosse uma unidade administrativa autônoma. Umbilicalmente ligado ao Centro, você vai a pé a Praça da Sé.
No Chile é assim que acontece. Nos EUA também.
Nesses países, o que aqui no Brasil seriam bairros pertencentes a mesma unidade administrativa lá são independentes.
Também na Recoleta, aos pés do Monte São Cristóvão, há um bairro boêmio, similar a Lapa carioca.
………..
Veja a esquerda a placa de rua da Avenida Santa Rosa.
Estamos a apenas 2,5 km do centrão de Santiago, fato indicado pela numeração da via, que começa bem no coração da cidade.
Pertíssimo do Centro, tanto que fui a pé. Mas já estamos em outro município, São Joaquim, como observam.
………..
Mais uma pausa pra fotos. Veremos agora a Grande Valparaíso. Primeiro o município-núcleo, com suas muitas ladeiras.
‘Alvorada no morro, que beleza’. O Pacífico, o Centrão apinhado de camelôs, bairros de classe média e outros tomados de favelas.
Valpo é assim (clique sobre pra aumentar o tamanho):
E agora o vizinho município de Vinha do Mar, umbilicalmente ligado a Valpo e igualmente sinuoso.
Já demos uma pincelada em outras postagens:
O Chile é um país extremamente católico.
Como o Brasil um dia foi mas já não o é mais a muito, a 30 anos pelo menos.
Pois bem. O Chile ainda é católico.
Lá, as missas ainda enchem, mesmo as que são no meio da tarde em dias úteis.
O dia que visitei o São Cristóvão estava tendo uma grande festa católica ali.
Passou uma procissão gigante, alguns milhares de pessoas, bandeiras.
Entoavam cânticos e palavras de ordem. Inclusive centenas de adolescentes.
Ao pé do morro havia um palco montado, mais tarde haveriam apresentações ali.
…….…..
Em alguns aspectos o Chile é muito diferente da Argentina.
Na Argentina não existe ‘rap’, eles desprezam esse estilo.
No Chile adoram. Ali há muitas casas de madeira, o que inexiste na Argentina exceto nas Missões.
Agora, há alguns pontos em comum:
A periferia típica da Argentina e Chile se compõe de casas muito simples, com saída direto pra rua.
Isso já falamos em outras mensagens.
Aqui quero voltar a música. No Chile se ouve salsa, como no Peru e América Central.
E também se ouve tango, como na vizinha Argentina.
………….
Enfim galera, esse foi meu relato do Chile, do que presenciei e vivenciei por lá, em múltiplos aspectos.
Santiago é europeia urbanisticamente.
Em todas as outras dimensões é América pura.
E o interior é América de corpo e Alma.
Em Valparaíso eu me vi de volta a Acapulco-México e Medelím-Colômbia.
O barato é louco e arrepia na hora.
Ou, como eles dizem no Chile:
“Patcha-Mama, esta és mi gana.”
……….
De arremate, deixo vocês com mais cenas que eu captei na Grande Santiago.
Abrimos pela Zona Leste, a mais rica da cidade, mas que também tem bolsões de renda bem mais baixa, como esse sobradinho em madeirite deixa claro.
A Cidade da Rainha (‘Comuna La Reina’ no original, como está na placa) é fundamentalmente um subúrbio proletário.
Espremido entre duas regiões muito mais abastadas que a cercam pelos dois lados.
Alguns barracões industriais, pombais de cohab (poucos mas existem), conjuntos humildes, outros ao contrário bastante sofisticados.
É a Z/L de Stgo. ‘Santiago Oriente’ no jargão local.
Tudo com uma beleza singular, pois emoldurado pelos Andes ao fundo, e por um céu quase sempre azulíssimo.
O Chile é muito seco e quase não chove.
Resultando que o horizonte está sempre celeste.
…………
Na sequência horizontal abaixo, as 3 primeiras cenas são da Zona Sul.
Já disse em outros textos: no Chile nas feiras de rua são diferentes das do Brasil, pois são maiores.
Lá se vendem alimentos, como aqui, mas vai muito além:
Também se vendem produtos de limpeza, roupas, brinquedos, artigos de papelaria, enfim um mercado completo.
E depois as últimas 3 imagens retratam o Centrão, muitos camelôs, o que também dá esse aspecto de feira livre.
Atualização de julho de 16: até sequência logo acima foi tudo ‘ao vivo’, ou seja clicado pessoalmente por mim quando estive lá em 2015.
Vamos ver agora o que escrevi 2 anos antes de ir ao Chile, apenas visualizando o país pela Visão de Rua do ‘Google’ Mapas.
Publicado em 13 de abril de 2013.
Você já viu ‘puxadinho‘ em prédio? No terceiro andar? Se não, vai ver agora. Bem-vindo a Santiago do Chile.
É isso mesmo. Eu também custei a crer, mas as imagens não mentem. O cara mora no 3º andar de conjunto residencial, mas deu um jeito de fazer sacada, tirando o sol do vizinho de baixo.
Antes na mesma rua eu já tava observando que cada morador do térreo fez um puxadinho, como se morassem em casas. Veja: fizeram jardins, garagens, e alguns mesmo colocaram comércios, como aquela mercearia a direita na tomada abaixo. Mas no térreo é normal, né? Pelo menos na América Latina.
O Chile já foi filmado, e já andei muito por lá (até o momento que escrevi isso, somente via internet). E por isso lhes digo: o Chile é América, tanto quanto o Brasil.
É muito, muito parecido com o Brasil, em tudo. Me sinto completamente em casa nessa pátria trans-andina.
Aliás, como podem ver, em alguns aspectos até mais Americano que o Brasil. Olhe, já rodei nossa nação, em todas as suas 5 regiões. Já vi milhares de puxadinhos em prédio. No térreo. No 3º andar nunca tinha visto. Tudo tem a primeira vez.
O Povo Americano dá nó em pingo d’água. Como podem mais uma vez comprovar.
O Chile é América. E nossa querida América é assim.
“Deus proverá”