da barra a itapoã: é salvador em preto-&-branco
Por Maurílio Mendes, o Mensageiro
Publicado em 22 de novembro de 2021
Repetindo algo que já falei na abertura da série, certamente você conhece a canção “Tarde em Itapoã”, clássico da música popular brasileira.
Ela conta como “é bom passar a tarde na Praia de Itapoã”, na periferia de Salvador.
Pois bem. Em novembro de 2020 visitei o Recife-PE e a seguir a capital baiana. Meu último dia não apenas na Bahia como no Nordeste em geral foi um domingo – “dia de domingo”, como dizem.
Aceitei o convite musical, e fui passar a tarde em Itapoã.
Mais que isso. Fiquei hospedado em Ondina. Comecei esse domingo na Barra e no parque do Morro do Cristo, vizinho a ela.
Pra quem não conhece a cidade, a Barra é a praia da alta burguesia de Salvador.
Na capital mais negra do Brasil, um dos poucos lugares que os brancos são maioria absoluta nas ruas.
Passei a maior parte do dia nas areias e “aquele mar sem tamanho” de Itapoã, e finalizei na Lagoa de Abaeté, no mesmo bairro.
No subúrbio da capital da BA, ainda que seja a orla do subúrbio, perto de 95% das pessoas são negras ou mulatas.
Claro que a trilha sonora só poderia ser o ‘funk’. Algumas letras eram bastante explícitas na descrição do ato sexual ou dos genitais.
Um contraste. Lado “A“, Lado “B“. É Salvador em Preto-&-Branco.
Fiz o que eu sempre faço, em Curitiba ou todas as cidades que visito.
Procuro conhecer os 2 lados, os bairros mais caros, e também os mais afastados.
Já falamos um pouco sobre isso no texto anterior. Então aqui descrevo alguns detalhes que observei por lá.
SALVADOR SE RENOVA, OFERECENDO CONFORTO AOS TURISTAS –
Um colega, que como eu também mora em Curitiba e igualmente já viajou extensamente pelo Brasil e América, comentou sobre o que achou de Salvador.
Ele esteve lá apenas uma vez já a alguns anos, e ficou pouquíssimas horas.
Portanto sua amostragem é pequena, ele mesmo admite.
Isto ponto, suas impressões não foram das melhores. E ele não está sozinho.
A capital baiana tinha fama de ser muito bonita e acolhedora, porém as vezes problemática em diversos quesitos. E devem haver motivos pra isso.
Entretanto relato que na única vez que estive em Salvador, em 2020, vi uma realidade diferente.
Completamente diferente. Uma grata surpresa. Eis o que respondi a ele:
“ Salvador deve ter sido uma cidade mal-cuidada no passado, pois tinha essa fama. Mas está muito mudada em relação a esse tempo.
Por exemplo, nos quase 5 dias que passei lá só vi um sem-teto, e isso que andei extensamente pelo Centro e razoavelmente pela periferia.
Enquanto no Recife, e também em Curitiba, Rio, São Paulo e outras cidades esse problema é epidêmico, chega a ser catastrófico.
Evidente, não estou dizendo que a questão de moradores de rua seja irrelevante na capital da Bahia.
Significa apenas duas coisas: 1) Sim, é nítido que minha amostragem, como a sua, foi pequena.
Claro que se eu passasse mais tempo lá presenciaria essa situação pois ela é fato.
Ainda assim, 2), Salvador está melhor cuidada. Se a situação existe, e existe, não é tão grave quanto nas demais capitais.
Pois isso é algo que reparo atentamente onde vou, e você vê que capto muitos detalhes das cidades. ”
Ao menos é a impressão que um turista tem. Oras, Salvador depende do turismo.
Esse setor representa boa parte do orçamento do erário local, tanto estadual quanto municipal.
É importante respeitar o direito das pessoas que moram nas ruas?
Com certeza, e não estou advogando nenhuma medida drástica contra eles.
Ainda assim, é necessário procurar achar um equilíbrio.
Um meio-termo entre não ferir a proposição anterior nem onerar demais a imagem, pois num lugar turístico imagem é tudo.
Também é fundamental que uma cidade que precisa do dinheiro que os visitantes gastam nela oferecer um ambiente limpo e seguro a quem ali está.
Isso deveria ser tão auto-evidente que nem precisaria ser grafado.
Entretanto como vivemos em tempos estranhos especulo que quem sabe encontremos um caminho entre as extremas esquerda e direita.
De qualquer forma, o que vi em Salvador foi isso:
Uma cidade limpa e segura. Sem multidões de sem-tetos no Centro e na Orla.
Exatamente ao contrário do Rio e Recife (que visitei na mesma época), e Curitiba e São Paulo (cidades que conheço como a palma da minha mão).
Como contei acima, passei meu último dia na Bahia de manhã na Barra e no vizinho parque do Morro do Cristo, e a tarde em Piatã/PlacaFor e Itapoã.
Tanto na praia mais central (frequentada pela burguesia e turistas) quando no subúrbio a Cavalaria da PM estava a postos.
No Nordeste a orla e o Centro são relativamente seguros.
Ao menos nos pontos mais turísticos e desde que você não caminhe nas ruas ermas após o anoitecer.
As cidades têm sérios problemas de violência, evidente.
Só que essas situações se desenrolam nos morros e vilas da periferia, onde os turistas não vão.
A presença da polícia é ostensiva sem ser sufocante. O Rio de Janeiro, inversamente, parece estar sob ocupação militar. Complicado.
Bem, o Nordeste não é diferente do Sul do Brasil nessa parte.
Infelizmente parece que essa praga engolfou nossa nação por inteiro.
Curitiba, como o Recife e Salvador, é razoavelmente segura nas partes que os turistas visitam. Nos loteamentos do subúrbio e favelas a situação também é bastante preocupante.
NO PELOURINHO SEJA ECONÔMICO NAS PALAVRAS:
NÃO ESTIQUE A CONVERSA COM VENDEDORES E GUIAS –
Salvador está uma cidade acolhedora, limpa e segura.
Gostei muito de conhecê-la, e se Deus permitir voltarei um dia.
Ainda assim, é preciso apontar um porém: assim que descemos do Elevador Lacerda um rapaz adolescente, se dizendo guia de turismo, nos abordou.
Começou a falar pelos cotovelos sem ser inquirido sobre coisa alguma, dando explicações históricas acerca da cidade.
Eu e minha esposa tentávamos nos desvencilhar, pois não necessitávamos que nos acompanhasse.
Ele nos seguia, insistindo pra que o contratássemos. Com muito custo consegui deixar bem claro que não seria o caso.
Foi quando ele pediu 10 Reais pelo seu “serviço” não-solicitado.
(Em 2020 esse valor dava pouco mais de 2 passagens de ônibus, ou 2 salgados numa lanchonete.)
Disse que não daria, pois fora ele que nos abordou espontaneamente, não lhe perguntei nada.
Ofereci R$ 2. O ‘guia’ ainda se achou no direito de se ofender:
“Tá desvalorizando o trabalho do baiano”, argumentou, manhoso.
Ao fim, quando viu que era a oferta final, acabou aceitando e nos liberou.
Foi um ensaio pro que estava por vir. Chegamos a praça onde há o grande letreiro escrito ‘Salvador’.
Um vendedor veio e sem pedir autorização novamente já foi colocando fitinhas nos pulsos e correntinhas no pescoço, em mim e minha esposa.
Era bem criativo, falou até do que supostamente ele via na nossa ‘aura’, pra quem sabe o que é isso.
Se a gente fosse dando corda ele iria nos fantasiar como bateristas do Olodum.
A seguir colocou nela uma outra corrente, que disse ser de prata.
Pediu R$ 50. Falei que não iria comprar, então ele foi reduzindo o preço.
No fim fechamos por R$ 20 pela bijuteria supostamente “de prata”.
Veio de brinde os outros badulaques. Como foram várias lembranças não saiu tão caro.
Assim que aquele se afastou outros se aproximaram, como as formigas cercam um torrão de açúcar que cai no chão.
Nessa hora já havíamos entendido a dinâmica: você tem que dizer ‘não’ de forma firme e enfática logo no começo da abordagem.
Eles irão insistir. Você tem que repetir o ‘não’, sem esticar o assunto, e se afastar.
Assim eles entendem que você não irá comprar qualquer produto ou serviço oferecido
Se podemos usar esse termo, no Pelourinho é preciso ser mal-educado.
Não dar conversa aos vendedores e guias, ou eles não irão te deixar em paz.
Não é exclusivo apenas de Salvador esse problema, evidente.
Passei por situações similares na Cidade da Leste/Paraguai e República Dominicana.
Gostei muito da capital da Bahia, repito, e pretendo retornar.
Infelizmente é preciso registrar esse ponto negativo no texto, pois o compromisso é mostrar sempre os dois lados.
Caso um dia eu volte ao Pelourinho, agora já estou suficientemente ‘escolado’.
O jeito é ser enfático na negativa assim que surgir a primeira abordagem.
Felizmente pra um curitibano não é difícil ser fechado com estranhos…rs.
‘SOTEROPOLITANO’:
O GENTÍLICO DA “ROMA NEGRA” –
‘Gentílico’, como se sabe, é o substantivo que indica que alguém é natural de alguma parte.
Salvador possui, eu arriscaria dizer, o gentílico mais curioso do Brasil:
Quem nasce ou mora na cidade não é “salvadorense” ou “salvadorenho”, como seria de se esperar.
Nada disso. Os nativos e residentes na capital baiana são os “soteropolitanos“.
A origem desse nome, vejam vocês, remonta ao grego:
“Soterópolis” quer dizer nessa língua “Cidade do Salvador“.
Desmembrando a palavra, ‘pólis’ significa ‘cidade‘ – esse termo é relativamente conhecido.
‘Soter’ é aquele que protege de desgraças, enfermidades, etc. O ‘Salvador‘.
No Novo Testamento, Livro alias que foi escrito boa parte exatamente em grego, Jesus é chamado de ‘Soter’
As referências ao período greco-romano não param por aí.
Salvador é conhecida como “A Roma Negra”. Se você diz . . .
O “EXTRATO DIFERENCIADO”:
OU, CASO PREFERIR, É A ‘FAVELA’ –
Exatamente como no Rio de Janeiro, o que é mais impressionante em Salvador é a presença de favelas em morros por todos os bairros.
Até mesmo na Zona Central e na parte mais cara da Orla.
Eu não falo isso com desprezo burguês. Gosto de periferia.
Conheço praticamente todas as 300 favelas de Curitiba, e além disso morei por 15 anos em uma delas.
Não por outro motivo passei meu último dia no Nordeste em Itapoã.
Que está bem longe, em todos os sentidos, de ser um ponto turístico apreciado pela burguesia, seja local ou visitante.
Então eu gosto de da favelas e periferias. Ainda assim, as coisas são como são.
A proliferação de favelas é uma situação obviamente problemática.
Nenhum discurso de “promoção da diversidade” pode mudar esse fato.
Andávamos pelo bairro de Ondina e imediações, uma das regiões mais caras da capital baiana.
Ainda assim com vários morros favelizados incrustados, observando essa situação.
O motorista do aplicativo nos falava dos encantos dessa parte do litoral soteropolitano, e de fato há muitos.
Aí passamos por um dos morros ocupado precariamente, com as casas já com vários andares.
O rapaz falou que as vezes você dá um passo e se depara com o “extrato diferenciado”.
Em bom português também conhecido como “a favela”.
Sei que está na moda usar eufemismos como “comunidade”.
Ainda assim o “extrato diferenciado” me ficou registrado como uma peculiaridade do léxico baiano. Vivendo e aprendendo!
UMA DIVISÃO PECULIAR:
NÃO HÁ ‘ZONAS’, E SIM ‘ORLA’, ‘MIOLO’ E ‘SUBÚRBIO’ –
A imensa maioria das cidades cresce pros quatro lados, ou ao menos três.
O Centro é bem, no centro geográfico, e a urbe se expande pra todas as direções.
E assim se divide em Zona Central, Norte, Leste, Sul e Oeste.
Em muitos casos, não pros 4, mas apenas pra 3. Pois a água ou a montanha impede a ocupação de um dos pontos cardeais.
O Rio de Janeiro e o Recife não têm Zona Leste, tampouco Bogotá-Colômbia, Buenos Aires-Argentina e Chicago-EUA.
Fortaleza-CE não possui a Zona Norte, Manaus-AM ficou sem a Zona Sul.
Enquanto que Porto Alegre-RS, Belém-PA e Foz do Iguaçu-PR são alijadas da Zona Oeste, a Cidade do Cabo-África do Sul idem.
Citando apenas alguns alguns exemplos, claro que há muitos outros. Vocês entenderam.
Seja como for, além da Zona Central quase todas as cidades têm 4 ou ao menos 3 ‘Zonas’ relativas aos pontos cardeais.
Então. Em Salvador é diferente. A cidade ocupa uma península – tem a forma de um dedo voltado pra baixo, se quiser ver assim.
Pela sua geografia específica, não faz sentido ali dividir a metrópole em Zona Leste, Zona Sul, etc.
Ao invés disso a divisão ali aplicada é Orla, Miolo e Subúrbio.
E o Centro é composto pela Cidade Baixa e Cidade Alta, unidas pelo famoso ‘Elevador Lacerda’, cartão-postal mais famoso de Salvador.
Bem, além dele há também os ‘funiculares’ ou ‘planos elevados’. Trata-se de um elevador que opera na diagonal.
O Elevador Lacerda é usado tanto pela população local quanto os turistas.
Já os ‘funiculares’ são pouco conhecidos dos turistas e eu diria mesmo da burguesia baiana, servem mais a classe trabalhadora.
Seja como for, a separação do Centro entre Cidade Alta e Baixa é por demais evidente pra ser explicada.
Foquemos então na divisão da cidade como um todo. Salvador é uma península, repito.
Tem mar dos 2 lados, privilégio que lhe confere nada menos que 80 km de litoral, mais que todo o estado do Piauí e quase empatando com o Paraná.
Além disso suas praias são bastante entre-cortadas, o que faz com que na capital da BA o sol nasça e se ponha no mar, privilégio único.
O que nos importa nessa análise é a divisão dos bairros da metrópole.
Ela tem duas costas, a do Atlântico de mar aberto, onde as ondas são fortes, e a da Baía de Todos os Santos, cujas praias não têm quase ondas.
Salvador teve sua gênese na Barra, na Costa Atlântica.
Acontece que uma povoação as margens do mar aberto é mais difícil de ser protegida de ataques de piratas, por motivos óbvios.
Assim o núcleo primordial da cidade foi transferido pra outra costa, dentro da Baía, muito mais facilmente defensável.
Até o início do século 20 a orla da Baía de Todos os Santos era a parte mais cara da cidade.
Os mais abastados tinham casarões na beira-mar da Praia da Ribeira, próxima ao Centro, ainda na região chamada ‘Cidade Baixa’.
A ‘Costa Atlântica’ era então um lugar distante, onde alguns talvez tivessem casas de veraneio.
No entanto era difícil morar ali e se deslocar ao Centro diariamente pra trabalhar.
A cidade se desenvolvia as margens da Baía de Todos os Santos.
Ainda no século 19 foi inaugurada a ferrovia que ligava o Centro aos bairros distantes as margens desta.
O derradeiro século do milênio que se encerrou trouxe grande progresso material, e alterou esse quadro.
Com a construção de novas ruas e a popularização do automóvel tudo mudou.
As pessoas de maior renda foram se afastando do Centro e imediações, a chamada ‘Cidade Baixa’.
Bairros caros foram então se formando na Costa do Atlântico, que então passou a ser conhecida como “a Orla”.
Os bairros do lado oposto, na Costa da Baía, ficaram sendo chamados de ‘Subúrbio Ferroviário’, ou simplesmente “o Subúrbio”.
Por conta da linha de trem que corta a região, evidentemente.
E a porção intermediária, que não tem mar, é “o Miolo” soteropolitano.
Essa divisão, de tão enraizada, foi adotada até na padronização dos ônibus, ocorrida em 2014.
Ainda farei um texto específico sobre o transporte onde discorreremos com mais detalhes e centenas de fotos.
Por hora basta observar o mapa ao lado: os busões que servem a Orla são azuis. Os do Miolo verdes, e os do Subúrbio na cor amarela.
PRAIA DE BOA VIAGEM:
EM SALVADOR BEM DIFERENTE DO RECIFE –
Salvador é uma península de relevo montanhoso. Há muitos morros, vários deles favelizados.
As favelas em morro estão por toda parte. A “costa oeste” da cidade é as margens da Baía de Todos os santos. tudo isso todos sabem.
Agora, há a Baía de Itapajipe na Baía de Todos os Santos. Portanto uma ‘baía dentro de outra baía’ maior.
E com isso há uma ‘península dentro da península’. Uma das pontas da Baía de Iapajipe é a região dos bairros Ribeira, Bonfim, Uruguai, Roma, etc.
Esse é um detalhe que sempre me chamou a atenção na cidade, mesmo antes de eu visitá-la pessoalmente: uma grande região de periferia plana em Salvador.
A maioria dos bairros de classe trabalhadora soteropolitanos são em encostas.
Porém na península do Bonfim ocorre o contrário, não há ladeiras.
Topografia a parte, várias das vilas ali são tão densos quanto o resto da periferia da cidade, que é super-povoado por motivos que já falamos anteriormente.
Uma das praias dessa península se chama “Boa Viagem“. Achei curioso.
Boa Viagem é a praia mais famosa do Recife, não é preciso ensinar isso a ninguém. Portanto cujos prédios tem o m2 mais caro de Pernambuco.
A Praia de Boa Viagem de Salvador não poderia ser mais distinta: poucas ondas porque é de baía, e no subúrbio da cidade.
Mais uma vez, eu não falo ‘subúrbio’ com desprezo. Gosto de periferia, moro na periferia de Curitiba, e moraria no subúrbio soteropolitano com muito gosto.
E caso vivesse na ‘periferia plana’ próxima a Boa Viagem, iria com frequência a essa praia;
Então não estou criticando, longe disso, que fique claro. Apenas notando a diferença.
Uns dias antes fiquei hospedado quase na esquina da Avenida Boa Viagem, Recife. A seguir passei na Avenida Boa Viagem, Salvador.
O mesmo nome, em duas capitais nordestinas. Mas são diferentes como o sol e a lua.
Além disso, nessa península plana está a Basílica do Senhor do Bonfim, e também um grande complexo hospitalar mantido pela Fundação Irmã Dulce.
E.C. YPIRANGA, O “MAIS QUERIDO”:
AINDA É QUERIDO POR ALGUNS –
Viram numa foto no alto da página que flagrei um torcedor do Esporte Clube Ypiranga dentro do Mercado-Modelo.
É conhecido como ‘auri-negro’ por ser amarelo e preto. E também “O Mais Querido“.
Já que no começo do século 20 chegou a ter a maior torcida de Salvador.
Hoje, como todos sabem, os dois times grandes são o E.C. Bahia e E.C. Vitória,que fazem o clássico ‘Ba-Vi’.
Entretanto antigamente haviam outros 2 times grandes: o Galícia E.C. e o Ypiranga.
Evidentemente o Galícia representa a colônia espanhola – Salvador é a cidade do Brasil mais ligada a Espanha.
Na capital baiana há o Clube Espanhol, Hospital Espanhol, Instituto Cervantes, enfim, uma gama de instituições que representam esses imigrantes.
E o Galícia é o time deles. Campeão baiano cinco vezes no total.
Foi tri em 1941/42/43, primeiro tri-campeão baiano, orgulho máximo do clube.
O Ypiranga da mesma forma também já teve seus dias de glória.
Conquistou o campeonato baiano 10 vezes, sendo bi-campeão em 3 oportunidades.
Porém tanto Ypiranga quanto Galícia decaíram vertiginosamente.
O último título do auri-negro foi em 1951, o do time dos espanhóis veio um pouco depois, em 1968 – mesmo assim há bastante tempo.
Ultimamente ambos disputam com mais frequência a 2ª divisão do Campeonato Baiano que a 1ª.
Com tantas décadas de jejum mesmo do título estadual fiquei surpreso ao constatar que o Ypiranga ainda tem torcida na cidade.
O que um dia foi “Mais Querido” ainda é bastante querido por alguns (existia até uma viação de ônibus com o nome e cores do clube).
‘ARTE PROIBIDA”:
A PICHAÇÃO EM SALVADOR –
Salvador tem bastante pichação nos muros – e inclusive nos telhados!
Como aliás acontece em todas as metrópoles na maior parte da América (Latina e nos EUA).
Falando especificamente da Pátria Amada, de nossas 2 maiores metrópoles no Sudeste.
Em ambas se picha de tudo, muros, viadutos, paredes dos prédios de dezenas de andares, tetos dos barracões, marquises, etc. Isso elas têm em comum.
No entanto, o estilo das letras – o “alfabeto da pichação” se quiser chamar assim – paulista e carioca é diametralmente oposto.
Em S. Paulo as letras são grandes, retas e separadas. O mesmo “alfabeto” também é usado em todo estado de SP (interior e litoral).
E igualmente em outros estados do Brasil: no Sul em Curitiba e Porto Alegre, da mesma maneira no Recife, parcialmente em Belo Horizonte-MG.
No Rio, inversamente, as letras são redondas, menores e emendadas umas nas outras.
Em Brasília-DF e Goiãnia-GO há um estilo “híbrido” dos dois do Sudeste: letras redondas como no RJ, mas grandes e separadas como em SP.
No Nordeste, que é nosso tema de hoje, se picha bastante em todas as suas 3 maiores cidades. Mas de formas diferentes.
Na capital de Pernambuco, repetindo, é majoritariamente parecido com São Paulo, usa-se um pouco também o modelo carioca.
Em Fortaleza as letras em si mesmas são parecidas com as do Rio de Janeiro.
Porém se adicionou um “tempero local”: terminadas as letras, eles puxam flechas até as extremidades do muro.
Dando o toque do Nordeste, adaptando localmente o que veio do Sudeste.
Falamos tudo isso pra voltar a Salvador, que criou seu ‘alfabeto’ peculiar, exclusivo dali.
No Brasil além dela apenas São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Belém inventaram seu estilo próprio, particular.
As demais cidades copiam o que veio dessas e também dos EUA.
Na capital baiana as letras são grandes e separadas, como em SP. Porém são redondas como em Brasília.
Ainda assim, são bem distintas das capitais federal e paulista.
Um ‘alfabeto’ totalmente soteropolitano, criado e desenvolvido ali mesmo.
Como arremate, Salvador pegou o “toque do Nordeste” de estender as palavras com flechas e o levou ao extremo.
Em Fortaleza se expande as letras somente em alguns centímetros, até a extremidade vertical do muro.
Na Bahia é bem diferente, as flechas por vezes têm muitos metros.
Pois ela é riscada até a ponta horizontal do muro! Até que ele termine, não importando o quão longe seja.
Nas outras cidades isso não é permitido. “Como assim ‘não é permitido?. Pichar não permitido”.
Alguns diriam isso, e com razão se analisarmos apenas o aspecto jurídico.
No entanto, é notório que nem sempre as pessoas agem somente como a parafernália judicial determina.
Apesar de ser ilegal, ou talvez exatamente por causa disso, a pichação em muros tem regras claras de conduta.
Um ‘código de ética’ que precisa ser observado por quem decide exercer essa prática.
O ponto principal é que você não pode “atropelar” um picho – ou seja, não pode escrever por cima do que já está escrito.
Quem pichou primeiro é o ‘dono’ daquele espaço, até que ele seja repintado.
Nesse caso o muro se torna ‘virgem’ de novo, e quem chegar primeiro toma nova posse dele.
Só que antes disso, enquanto há algo já escrito, você não pode, repito, sobre-escrever o que já estava feito antes de você chegar.
Se o fizer, está iniciando uma agressão, que será respondida de uma forma que você não irá gostar.
Essa regra não tem exceções, é universal, em Salvador e no mundo inteiro.
A diferença na capital baiana é que ali o “código de conduta”‘ aceita como posse as flechas riscadas.
Em todas as demais cidades isso não é permitido, não custa enfatizar mais uma vez.
Pra reivindicar um muro, parcialmente ou se conseguir por inteiro, você precisa ocupá-lo com letras ou também com desenhos – nesse último caso, o dos desenhos, Belém levou ao ápice.
Em qualquer parte exceto Salvador, não basta apenas riscar um traço. É preciso pintar algo mais elaborado, sejam palavras ou gravuras.
Na capital baiana é diferente. As enormes flechas, muitas vezes de muitos metros, são aceitas como parte do trabalho.
E devem ser respeitadas tanto quanto a parte principal da obra.
É o “tempero do Nordeste” em sua expressão superlativa.
Como estava alias escrito em um dos túneis de Salvador, em 2020:
“Pichar não é crime, e sim uma ‘arte proibida’ “. Tá bom pra ti ou quer mais???
“3/4”: O JEITO BAIANO DE DIZER “3 DORMITÓRIOS” –
Outro detalhe peculiar de Salvador: os prédios em construção anunciam quantos quartos possuem em forma de numeral.
Veja a foto a direita um pouco acima. Destaquei que no anúncio da construtora no teto está escrito 3/4.
Em todas as outras cidades se escreve “3 quartos” ou ‘3 dormitórios”.
Na Bahia, entretanto, é mais prático. Você vê o anúncio, onde diz “1/4, 2/4 ou 3/4”.
Já sabe que os apês possuem um, dois ou três quartos, conforme o caso. E tá tudo certo.
UMA CIDADE QUE GOSTA DE CHURRASCO:
QUASE UM PEDAÇO DO SUL NO NORDESTE –
Aqui no Sul do Brasil adoramos comer carne assada, como não é segredo pra ninguém.
Uma semana antes desse texto subir pro ar foi aniversário de minha enteada.
A comemoração foi em volta da churrasqueira, como não poderia deixar de ser.
Digo isso pelo seguinte: a culinária baiana é bem distinta da sulista, é lógico.
Fomos, eu e minha esposa, ao Mercado-Modelo de Salvador, pra podermos experimentar o famoso ‘acarajé’, receita típica da ‘Boa Terra’.
Ainda assim, há um ponto em comum entre as duas pontas opostas do Brasil: a capital da Bahia também aprecia churrasco.
Na avenida beira-mar da Orla do Atlântico um ponto que me chamou a atenção foi a grande quantia de churrascarias.
Como bom curitibano, residindo na capital do Paraná há 41 anos (em 2021), só pude me sentir em casa.
Descemos do ônibus entre as Praias de Piatã e PlacaFor, e precisávamos almoçar.
Nosso último dia de viagem foi também aniversário de minha esposa. Comemoramos, eu e ela, comendo uma bela alcatra. Estava bem gostosa, ao ponto.
Como se estivessemos no Sul. Mas o restaurante é em plena beira-mar de Piatã, Salvador, Bahia.
……….
Fechou com chave de ouro. Conheci Salvador da Barra até Itapoã, no mesmo “dia de domingo”
E um domingo de sol. Salvador é o Sol, como eu já disse.
A cidade em “Preto-&-Branco”. Suas belezas, seus contrastes.
Do Pelourinho a Lauro de Freitas, o metrô de 1º mundo e o trem suburbano de 4º mundo.
Cidade Alta, Cidade Baixa, a Orla e o Subúrbio. Apenas nos bairros do Miolo não deu tempo de ir, infelizmente.
Fica pra uma próxima vez, e se Deus permitir haverá uma próxima vez.
“O Reino não é desse mundo”, o que quer dizer que a perfeição não existe na matéria.
Não deu pra ir no Miolo, e conheci pouco a Região Metropolitana.
Faz parte. Não foi perfeito, mas foi excelente. Nos 4 dias e pouco que fiquei na capital baiana, andei em várias partes da cidade.
Dos cartões-postais mundialmente famosos, como o Elevador Lacerda, as regiões onde a imensa maioria dos turistas nunca vão, como a Estação Ferroviária de Paripe. Mas eu estive lá.
O poeta já sabia, a música não mentiu. Foi mesmo “Bom Passar a Tarde em Itapoã”.
Melhor ainda que antes disso comemos um assado igual aqui no Sul do Brasil, mas sentindo a brisa do mar de Piatã.
No dia seguinte, embarquei no avião de volta a Curitiba. O passeio em Salvador estava completo.
Louvado é Deus Pai que Permitiu.
……..
Encerramos com algumas galerias de imagens da cidade.
Primeiro a Praia de Ondina, que foi minha casa em Salvador nesses 4 dias e pouco:
Pelourinho e imediações, na Cidade Alta.
Corredor da Vitória:
Cenas diversas captadas na capital baiana.
6 do mesmo local, a janela do hotel na Av. Oceânica, Ondina. Com o horário que cliquei.
“Deus proverá”
cidade muito linda e limpa
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Foi uma Bênção do Criador poder ter conhecido o Recife e Salvador.
Especialmente fechar com chave de ouro no dia 22 de novembro, do Corredor da Vitória a Lagoa de Abaeté.
Deus Abençoe.
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Salve irmão. Sua matéria me fez pensar sobre o “bálsamo” do tempo, que parece ter feito bem à capital da possante Bahia. Realmente, um relato que é capaz de empolgar devaneios de uma revisita. Devo apontar que sua nova “testeira” do blog e a nova denominação como observatório me pareceu absolutamente feliz e muito pertinente. Afinal, “O Caminhante”, é também um observador, com “olhos de olhar”. A lembrança da música do “poetinha” com o Toquinho também é muito oportuna, pois ela é um patrimônio imaterial. E um veículo capaz de transportar pela memória, quem já pôde palmilhar sossegadamente a areia da praia. E não só Itapuã!
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Então, firmeza total.
No Universo tudo é cíclico. Não por outro motivo o I-Ching – “O Livro das Mutações” – nos esclarece que “a única coisa permanente é a mudança.
Salvador certamente conhece os efeitos dessa Lei. Afinal foi a primeira (e sempre o será, evidente) e mais longeva capital do Brasil (título do qual só será destronada por Brasília no ainda bem distante ano de 2175). Salvador foi fundada pra isso, já nasceu em Glória e Poder.
Depois, no século 20 houve um período de decadência, que ainda não foi revertida de todo – escrevi numa legenda que “há partes do Centro de Salvador que já tiveram dias melhores”, e de fato assim é.
A cidade já teve dias melhores, num passado distante, afinal era a capital. Mas já teve dias bem piores também.
Entretanto Salvador passa por um renascimento. O transporte é o exemplo disso.
Pela maior parte do século 20 e início do 21 a mobilidade urbana era bastante precária, pra dizer o mínimo. Quando estive lá em 2020 o quadro já era bem diferente, após a inauguração de 2 linhas de metrô e a revolução no sistema de ônibus do ‘Integra Salvador’ – ambos os movimentos são parte de um único processo, já que com uma passagem você pode usar 1 vez o metrô e 2 o ônibus. Além disso, diversos terminais foram construídos nas estações de metrô, as linhas de ônibus seccionadas ali pra que a população migre pro modal sobre trilhos, o que faz todo sentido em termos de trânsito e poluição.
Vai ficar melhor ainda. A linha 1 do metrô ainda ganhará mais 2 estações, até Cajazeiras. Além de melhorar a mobilidade do subúrbio, tanto municipal quanto metropolitano, a Rodoviária sairá da Zona Central e também será transferida pra um novo prédio ao lado da estação de metrô – num processo idêntico ao que ocorreu em Brasília, nesse caso talvez você tenha conferido pessoalmente. Com isso mais algumas centenas de ônibus por dia (nesse caso os rodoviários) não mais adentrarão os bairros centrais, gerando menos congestionamento e queima de dísel na cidade.
Se tudo fosse pouco, o antigo trem suburbano foi desativado pra dar lugar ao VLT, e transversalmente as linhas de metrô e (futuro) VLT virão os corredores de BRT, formando uma malha de dar inveja, ao menos pras cidades de mesmo porte fora da Europa e Ásia.
Falo do transporte coletivo que é a área que analiso com mais propriedade, mas esse mesmo renascimento se verifica também em outras esferas.
……….
Falei acima que tudo é cíclico. E isso vale pra todas as dimensões. Adotei essa nova ‘testeira’ justamente por isso, estou direcionando pra entrar num novo ciclo. Vou tirar um pouco o foco nos desenhos e outros temas mais abstratos.
Quero dar mais ênfase ao aspecto objetivo, jornalístico, resumindo pelo lema “Observatório Urbano e do Transporte Coletivo”.
Tudo muda. Salvador mudou. O Caminhante também está mudando.
Deus Abençoe, irmão.
Vamos em Frente, Sempre.
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