Por Maurílio Mendes, O Mensageiro
Publicado (em emeios) em 25 e 26 de agosto de 2011
Maioria das imagens clicada por mim. As que forem puxadas da internet eu identifico com um (r) de ‘rede’, como visto ao lado.
Vou escrever agora os relatos de minha viagem a Fortaleza-CE.
Fiquei 3 dias e meio, de sexta depois do almoço até a madrugada de terça. Essa mensagem é o Portal da Série. Ao fim do texto eu ancoro ligação pras outras postagens.
…………
A cidade é o epicentro da Costa Norte Brasileira, daí o título. Talvez nunca tenham ouvido esse termo, então explico:
Em Fortaleza o oceano fica ao norte, por isso cunhei a expressão “Costa Norte Brasileira”, que vai de logo após Natal-RN até o Pará.
Na maior parte do Sul do país, do Espírito Santo a Natal e também no estado do Amapá o Oceano está a leste, enquanto que nos estados de São Paulo e o Rio de Janeiro geralmente o mar fica ao sul das cidades, como na Baixada Santista por exemplo.
A origem do termo é baseada a princípio na posição do continente em relação as massas de água do planeta. Porém, o conceito é também social.
Pois a ‘Costa Norte’ é também um modo como os Homens e Mulheres vivem e se relacionam entre si e com o ambiente. É uma ‘Sintonia’, se você se dá bem com essa palavra.
Já exemplifiquei quando fiz uma matéria sobre ônibus, com muitas fotos: Fortaleza, Teresina-PI, São Luís-MA, Belém-PA e Manaus-AM têm (ou tiveram até recentemente) uma característica única, comum a todas elas mas somente a elas:
A de pôr o prefixo do veículo em cor diferente No exemplo da foto ao lado, o sufixo está em azul-escuro, mas o prefixo em rubro. O que prova o que eu disse, a ‘Costa Norte’ também pode ser analisada pela geografia humana, e não somente pela geografia física.
Voltando a capital do Ceará. Por conta da posição do Oceano, Fortaleza não tem Zona Norte, apenas as Zonas Leste, Central, Oeste, e Sul.
Há praias nas Zonas Oeste, Central e Leste – exceto na Zona Sul, portanto, e nada mais natural, se o mar fica ao norte. A parte mais rica da cidade é a Zona Leste. Abra o mapa no ‘Google’ Mapas.
Verá que os prédios se concentram nos bairros de Iracema, Aldeota, Meireles, Varjota, Mucuripe, Cocó e Papicu. Todos a Leste do Centro, entre este e o cais do porto.
Fortaleza é uma cidade com muitos bairros em que as condições urbanísticas estão longe do ideal, muito mais que as capitais do Centro-Sul, naturalmente. Não falo isso com desprezo ou preconceito.
Primeiro porque eu gosto periferia, e não por outro motivo quis vir morar no Canal Belém, uma ‘comunidade’, pra usar o termo em voga em alguns círculos.
Trata-se de uma antiga invasão, parcialmente urbanizada mas ainda não legalizada.
Na beira do rio de mesmo nome no Boqueirão, subúrbio da Zona Sul de Curitiba. Residi ali 15 anos, de 2002 a 2017, portanto era onde morava quando fiz a viagem e esse texto, em 2011.
Assim, repito, não é preconceito. Mas fatos são fatos, e nada adianta tentar ocultá-los com a peneira grossa.
Contra números não há argumentos. Oficialmente, 33% da população fortalezense mora em favelas. Em capitais mais austrais do país esse número fica perto de 10%. Por exemplo em Curitiba, São Paulo e Florianópolis-SC, .
Já em Fortaleza se repete o mesmo padrão dominante na maior parte da América Latina.
Visitei Manaus 11 meses antes, e Bogotá e Medelím (Colômbia) 4 meses antes de ir ao Ceará, e vi cenas similares.
Depois desse texto (que é de 2011), fui ao México, Paraguai, Pará, Paraíba e República Dominicana.
E em todos esses lugares vi mais uma vez como a América Latina ainda é um continente onde a imensa maiorias das pessoas pouco mais que sobrevive.
O Centro-Sul Brasileiro (de Brasília-DF ao Sul e maior parte do Sudeste), a Bacia do Prata (Argentina e Uruguai) e o Chile são as partes onde a classe média é um pouco maior.
Mesmo assim óbvio ponteadas por grandes bolsões de pobreza.
Não estou negando que existe miséria nessa parte mais rica da América Latina, que fique bem claro. Alias, se eu quiser ver tudo isso em estado bruto, basta andar duas quadras de minha casa (como dito, onde eu morava na época, em 2011).
Como eu disse, minha vila é uma invasão, partes já urbanizadas, mas outras partes ainda não. No Chile, em São Paulo, em Florianópolis, em todos os lugares que vou, eu documento a concentração de renda.
Agora, é incontestável que no Nordeste e Norte Brasileiros, no Centro e Norte da América do Sul, e em toda a América Central (México e Caribe incluídos) a situação é ainda mais dramática. Nessas partes a classe média é minoria mesmo.
A grande maioria luta primeiro pra ter o básico pra comer e vestir, e depois é que pensa em consumir qualquer supérfluo.
Essa situação vem se alterando pra melhor desde que o milênio mudou, felizmente. Muitas favelas estão sendo urbanizadas, a renda dos trabalhadores vem aumentando.
Constatei isso no Amazonas, na Colômbia e agora novamente no Ceará (escrevi em 2011, enfatizando, quando o Brasil ainda vivia um ciclo de prosperidade que durou até a Copa do Mundo-14).
Ainda assim muito ainda resta por ser feito, é o que quero dizer. Séculos de abandono demandarão pelo menos algumas décadas de trabalho árduo pra que a situação se equilibre.
Na série sobre a Colômbia, escrevi que a maioria dos turistas que vai a Bogotá não vê a extensão da pobreza porque fica apenas na parte rica da cidade (lá a Zona Norte).
Em Fortaleza ocorre o mesmo. Boa parte dos visitantes se restringe aos bairros da orla Leste da cidade, não andam de ônibus e muito menos a pé.
Eu fui conhecer essa parte mais abastada, óbvio. Mas além disso percorri, a pé e sozinho, favelas e a Cracolândia do Centro, mesmo a noite, pra vermos “o lado ‘A‘ e também o lado ‘B’ ” da metrópole.
……..…
Voltemos a descrever como Fortaleza se organiza. A parte rica se instalou na Avenida Beira-Mar (esse é seu nome oficial) e adjacências, a Leste do Centro.
Ao lado do Centro da cidade está a Praia de Iracema. Depois vem Meireles e Mucuripe. Todas são represadas por diversos diques, que eu creio estão ali por causa do porto.
Então são praticamente lagoinhas, sem ondas. E essa é a região que concentra os prédios mais caros do Ceará.
Seguindo a sequência, chegamos ao cais do porto. Rodeando ele estão algumas grandes favelas. É curioso andar no bairro do Mucuripe, estão ali como dito os prédios dos milionários, e logo ao lado uma enorme favela.
Pra quem já passou na Zona Sul do Rio, e viu a Rocinha entre a Gávea e São Conrado, é a mesma cena, apenas a favela de Fortaleza é plana.
Após o complexo portuário está a Praia do Futuro. Essa sim é em litoral aberto, com ondas fortes. A Praia do Futuro fica no estremo Leste de Fortaleza.
Por ser mais distante do Centro foi a princípio ignorada pela especulação imobiliária. Assim quase não tem prédios.
Na verdade ainda não foi ocupada de todo, algumas quadras tem mesmo poucas casas.
Agora as construtoras começam a erguer muitos empreendimentos ali. É que o espaço disponível pra novas obras naquela região tradicional da elite já citada está se esgotando.
Então é preciso haver uma expansão. E aí estão se olhando pra áreas que antes não eram procuradas.
É um fenômeno universal e natural, e já descrevi e fotografei com detalhes como ele está se desenrolando na cidade de Santos, num texto anterior.
Então, em Fortaleza ocorre o mesmo. O eixo Iracema-Papicu está saturado, de forma que é preciso expandi-lo. A Praia do Futuro assim começa a encarecer, e vai deixar de ser periferia em breve.
A COSTA OESTE DESPERTA –
A Zona Oeste é o oposto da Leste. É uma região de periferia mesmo na beira-mar. Nas praias da Zona Oeste infelizmente não deu tempo de eu ir, só fui na Zona Oeste longe do mar, onde passa o trem pra Caucaia.
Só que vi como é pelo satélite e fotos. A cidade negligenciou a Costa Oeste, só olhou pra Costa Leste.
Entretanto a situação também começa a se alterar. Estão sendo erguido prédios de luxo na Zona Oeste, pela primeira vez na história de Fortaleza.
Esse fenômeno se repete Brasil afora, do perfil de classe média e média-alta se expandirem pra onde era antes periferia.
Em Santos é exatamente igual, Leste rico, Oeste de periferia. E também forçadas por motivos econômicos as construtoras começam a quebrar um preconceito de décadas.
Descrevi e fotografei o que ocorre no Litoral Paulista em matéria específica.
De volta ao Nordeste, até a parte longe do mar de Fortaleza (a Zona Sul e e a porção meridional da Zona Leste) começam a receber prédios de classe média. Embora aí sejam ‘pombais’, prédios baixos sem elevador (no estilo de conjuntos tornado clássico em todo país, fotografei um deles na Zona Oeste da Gde. Belo Horizonte-MG).
Dois anos depois de Fortaleza, fui novamente ao Nordeste, a João Pessoa. Em Santa Rita, um distante e bem humilde subúrbio metropolitano da Zona Oeste, vi em obras o primeiro prédio alto do município. Sinal que essa periferia começa a ter gente com dinheiro o suficiente pra subir (literalmente) de padrão.
Não se restringe ao Brasil esse despertar. No texto original eu já havia escrito que Bogotá passa por idêntico processo.
Lá, a parte rica é a Zona Norte, Oeste intermediária e Sul o subúrbio proletário, há favelas na cidade inteira mas as meridionais são gigantescas.
Então, na capital da Colômbia o espaço na Zona Norte esgotou, aí começam a surgir prédios de classe média-alta na Zona Oeste e de classe média-baixa na Zona Sul.
E depois disso fui a República Dominicana, e vi o mesmo. É o inverso de Fortaleza, a Orla Oeste é a dos milionários, a Leste a periferia. Fotografei o primeiro (em fase final de obra) prédio alto residencial de Santo Domingo Leste, na verdade de toda Santo Domingo fora da Zona Oeste.
Outro detalhe é que há pouquíssimos condomínios fechados de casas em Fortaleza. Basicamente na Zona Leste, por enquanto (o texto é de 2011, e reflete o que vi na época. A situação pode ter se alterado).
A capital do Ceará é ao mesmo tempo indescritivelmente quente, com um contraste muito grande entre as classes sociais e mesmo entre as partes belas e as nem tão belas assim.
Bom, todas as cidades têm seu lado A e seu lado B, mesmo aquelas do chamado “1º mundo”.
Fortaleza é a cidade do ‘funk’, a cidade das lagoas, do sol, do mar, e dos ônibus azuis.
Tudo emoldurado pela serra ao fundo. Com um Centro que renasce, símbolo de um Nordeste que passou décadas ou mesmo séculos esquecido, e que agora começa a despertar.
………………
Vamos continuando o relato. A Zona Leste é onde moram os ricos, margeando a orla.
Estou me referindo aqui ao triângulo formado pelos bairros Iracema, Mucuripe e Cocó. Só que mesmo dentro dessa parte selecionada há grandes favelas.
Cito de exemplo uma que vai margeando a linha do trem – nessa região é só trem de carga, nas Zonas Sul e Oeste há trem de passageiros que está sendo transformado em metrô.
Falamos disso na sequência. Aqui voltemos ao contraste entre favela e prédios de milionários. A favela corta toda a parte rica da cidade. Mas é pequena, pois estreita, só na beira da linha mesmo.
Só que se aproximando do porto ela engrossa. Observe as fotos que estão espalhadas pela página: a praia (sem ondas, como já falei) e os prédios. Cada apê ali vale fácil alguns milhões.
No entanto dê uma voltinha no bairro. Duas quadras dali começa a favela. E nesse ponto não é só nas margens do trilho não. A favela do bairro Mucuripe é bem grande.
Favela a beira-mar, como a segunda imagem da matéria, bem mais pro alto na página, já ilustrou. Estamos nas imediações do porto e do iate clube. É o limite entre área rica e subúrbio. Dali pra frente começa a periferia.
Vamos olhar agora na outra dimensão, o sentido norte-sul. Pra ficar mais claro, veja o Parque Ecológico do Cocó no mapa. Da orla até esse bosque é onde mora a elite. Pra baixo dele é tudo periferia, mesmo o que for Zona Leste.
Fui nos bairros Messejana (esse é no coração da Z/L), Aerolândia e Tancredo Neves (são vizinhos e ficam ao lado do Aeroporto, já na divisa com a Z/S).
São o subúrbio da cidade, mesmo sendo a leste, porque são longe do mar.
Atualização: constato pelo ‘Google’ Mapas que a parte mais verticalizada da cidade já ultrapassou o Parque do Cocó.
Uma região de prédios de padrão médio-alto está se formando as margens do bosque, mas do lado oposto ao mar, no bairro Guararapes, antes de Edson Queiróz.
E inclusive próximo a Messejana também está surgindo um núcleo de prosperidade, da pequena-burguesia suburbana. O mesmo ocorre em outras partes da cidade, nas Zonas Oeste e Sul.
Como em Santo Domingo, Santos e diversas outras metrópoles, a prosperidade não se restringe mais somente a Beira-Mar e imediações.
Isso é bom, claro. Ainda assim, mesmo agora ponteada por esses nichos de espigões mais abastados, a divisão da cidade entre burguesia e periferia basicamente se mantém.
As sementes são exceções que confirmam a regra, ou, se estiver mesmo ocorrendo uma mudança a largo prazo, ela levará ainda décadas pra se consolidar.
Voltemos a favela do Mucuripe. Pra quem não conhece Fortaleza, localize no mapa a Avenida dos Jangadeiros. Vá mais pra direita. Verá o cais do porto e seu complexo industrial.
É da Petrobrás aquela instalação. Após o porto há outra favela, e o detalhe curioso é que aqui vi algo que nunca tinha presenciado pessoalmente:
Uma favela (chamada Titanzinho e Servilux, entre outros nomes) a beira-mar. A ‘comunidade’, como alguns preferem dizer, se formou literalmente nas areias da praia. Já conhecia essa realidade (exatamente essa ao lado do porto, outras na Z/O de Fortaleza, e em outras cidades, como a ‘Brasília Teimosa‘ do Recife-PE) pelas fotos de satélite.
(Atualização: realmente era assim até o começo desse novo século. Mas agora essas favelas nas areias das praias estão sendo urbanizadas.
‘Brasília Teimosa’, no Recife, que era o caso mais famoso, foi urbanizada em 2003, as palafitas sobre a areia e mesmo sobre o mar foram retiradas, no lugar surgiu uma avenida, com parque, canchas de esporte, etc. Ficou bom, fiz matéria sobre ela, confira.
A favela na Barra do Ceará, na Zona Oeste de Fortaleza, passou pelo mesmo processo de melhorias uma década depois. Quando estive lá as casas improvisadas ainda ocupavam a praia. Não mais, ali também foi feita uma avenida beira-mar. Volta o texto original, escrito em 2011, que relata o que constatei na ocasião.)
É realmente impressionante de ver ao vivo, passar por entre os becos. Quando o vento leva mais areia pra dentro da favela, ela fica dentro das dunas. Se acumula muita areia, os moradores retiram com pás, pros carros poderem passar. Fui pelas Ruas Leite Barbosa e Ponta Mar, essa última marca o limite entre a vila e a parte da praia não ocupada.
A via é só residencial. Comércio, só mercearias pros próprios moradores. De qualquer forma, talvez essa cena esteja com os dias contados. As casas já estão numeradas pela Cohab e creio que deve haver remoção, até por ali ser área da Marinha.
Vamos pro outro lado da cidade. Na Costa Oeste de Fortaleza é o contrário, não há ricos por ali. Até mesmo na bordejando o oceano é periferia.
Veja no mapa que desde o cartódromo César Cals até o Rio Ceará que marca a divisa de município só há bairros populares.
Creio que boa parte da área foi invadida um dia, hoje em processo de urbanização. Nos bairros Pirambu, Cristo Redentor e Barra do Ceará.
Nessa parte infelizmente não pude ir pessoalmente, o estudo teve que ser pelas imagens de satélite do ‘Google’.
(Outra atualização: em 2011 quando fiz a matéria o Ceará ainda não havia sido jogado no ar no modo ‘Visão de Rua’ do ‘Google’.
Agora foi. Então dá pra andar – virtualmente pelo menos – nas estreitas ruas das vilas humildes litorâneas da Z/O, o que já fiz extensamente).
Bem próximo ao Centro há uma pequena favela que se chama ‘Oitão Preto’ – pra quem não sabe, ‘oitão’ significa revolver.
Essa eu visitei. É perto da praia mas não dentro dela, há Avenida Leste-Oeste entre as casas e a areia.
Como curiosidade, já falamos acima que Recife também tem sua favela a beira-mar. Chama-se Brasília Teimosa, e fica, vejam só, entre o Centro e o bairro de Boa Viagem, Zona Sul.
Pra quem não é inteirado sobre geopolítica recifense, essa (B. Viagem e o Pina, que é um prolongamento desta) é a praia mais cara da cidade, reduto dos milionários pernambucanos. Brasília Teimosa ficou famosa quando foi escolhida como símbolo do combate a miséria, e então ela foi urbanizada.
Os moradores que estavam em situação de maior risco foram removidos pra casas bem construídas em locais apropriados. Vamos ver se seus colegas fortalezenses um dia terão a mesma sorte.
(Repetindo que já disse acima, uma década depois do Recife começou a urbanização da orla de Fortaleza igualmente.
O trabalho ainda não foi concluído, mas está bem adiantado. Em breve haverão comunidades populares a beira-mar sim nas capitais do Nordeste, mas com barracos e palafitas na faixa de areia não.)
…………….
NÃO HÁ ETERNIT, SÓ TELHA –
Em Fortaleza não há casa de eternit, só de telhas. Explico. Como Já falamos muitas vezes, nas regiões Norte, Centro-Oeste, Sudeste e Sul, e também na Bahia, as casas na periferia são de eternit, que é mais barato. Nessas regiões supra-citadas apenas os bairros de classe média pra cima utilizam telhas de cerâmica. Inclusive vendo imagens de satélite sei a renda do bairro pela proporção eternit/telha:
Só ou majoritariamente eternit, é periferia com certeza, uma invasão ou loteamentos populares. Só telhas de cerâmica, ao contrário, a renda é muito alta.
Bem, em Fortaleza essa técnica não funciona. Como acabei de dizer, mesmo nas piores favelas dessa cidade (e também de Natal, João Pessoa-PB, São Luiz e Teresina) todas as casas são de telhas de cerâmica.
Todas. Porque o sol é muito, muito forte, quem não foi até lá não tem noção. Então o cara precisa gastar o que não tem pra não morar dentro de um forno.
Recife é uma transição. Quem pode utiliza telhas, mesmo nas favelas, mas há casa de eternit.
Numa proporção bem menor que nas outras regiões, mas já bem mais que o eixo João Pessoa-São Luís.
E no Norte, mesmo sendo um calor saárico, o eternit volta a predominar nos subúrbios. Dureza, cara. E olhe que mesmo o eternit já é melhor que outros países:
Na Colômbia, Chile, Porto Rico, México, boa parte da América Latina resumindo – e também na África do Sul – o telhado das favelas é majoritariamente de zinco.
Um metal, que portanto faz com que as casas sejam geladas no frio e tórridas no calor.
Pior: em menor escala na Colômbia, Argentina e México, porém no Chile, e África do Sul muito mais comum, até a parede de algumas casas é de zinco.
Nas favelas na Colômbia, África do Sul e México, porém no Chile mesmo em casas pobres fora das favelas, no Centrão por exemplo.
Nas ligações em vermelho relatei tudo com mais detalhes, nos países que eu visitei escrevi extensas séries, com muitas fotos.
Sobre Porto Rico escrevi rapidamente algumas impressões que vi pelo ‘Google‘, não estive lá ainda. As séries sobre Argentina e África do Sul também já estão no ar.
……………
Já que falamos no clima, vamos elaborar mais um pouco sobre isso. É notório que Fortaleza é muito quente, o ano inteiro.
Lá não há variação térmica, é calor de janeiro a janeiro.
As estações do ano, segundo um jornal local, são ‘quente’, ‘mais quente’, ‘ainda mais quente’ e ‘fervendo’. Falando sério agora, como ocorre de Salvador-BA até a Amazônia e Caribe, eles dividem o ano em ‘inverno’ e ‘verão’.
O calor sempre acima dos 30º é o mesmo em tempo integral, perto de 40º nos dias extremos.
O que muda é a quantia de chuvas. ‘Inverno’ é a estação chuvosa, e ‘verão’ a seca.
E no Ceará seca é seca mesmo. O sertão, que sobrevoei, não tem árvores nem rios permanentes.
Vale pra boa parte do Nordeste, alias. Depois que cruzei o Rio São Francisco, o qual identifiquei claramente, acho que só fui ver áreas verdes já na costa do Atlântico. O interior é clima semi-desértico, não é modo de falar.
Fortaleza é mais amena que o sertão por ser emoldurada por uma serra, o que suaviza um pouco o calor por reter pelo menos um pouco da umidade.
A Grande Fortaleza é cortada por diversos rios, o que possibilita que a vegetação floresça. As cidades do interior do Ceará em sua maioria não podem se dar a esse luxo.
………..
Mesmo com rios e lagoas, que amenizam a secura, o calor é muito forte. Saí sexta de Curitiba e aqui estava 8º. Frio e chuva, todo mundo com muitas camadas de roupas.
Troquei de avião em São Paulo, onde estava uns 18º. As pessoas usavam casacos ainda, mas já bem mais leves.
Aterrissei na capital do Ceará e os termômetros marcavam 30º. Todo mundo estava com o mínimo de roupa possível.
Domingo e segunda estava mais quente ainda, superou os 35º brincando. Até na sombra estava calor.
Se já esteve num lugar assim sabe o que quero dizer. Em Fortaleza só de madrugada a temperatura baixa dos 20º.
Amanhece quase uma hora mais cedo que aqui, por volta de 5:30, embora anoiteça na mesma hora, por volta de 6:30, um fenômeno curioso.
Lembre-se, estive lá em agosto. Fortaleza é perto do Equador, quase não sente a rotação da Terra sobre o Sol, o calor e horários que o Sol nasce/se põe são constantes de janeiro a janeiro.
Já Curitiba está na zona temperada, pra baixo do Trópico de Capricórnio, logo aqui tudo varia bastante.12 horas de dia claro, com o sol surgindo e se pondo perto de 6:30, ocorre próximo do Equinócio da Primavera.
Feito esse adendo astronômico do Paraná, de volta a falar do Ceará. Seis da manhã os termômetros já passaram dos 20º, e só baixarão disso de novo na madrugada seguinte.
Das 10 da manhã as 5 da tarde é sempre acima de 30º. Só quando chove fica mais ameno. Na segunda de manhã (22/08/11) que eu estive lá mesmo choveu. A tarde o sol voltou com força total.
Quando anoitece ainda demora pra baixar dos 25º. Nesse exato dia datado acima eram oito da noite e o termômetro marcava 28º. E estava quente de fato, mesmo o Sol tendo se recolhido há horas.
Tudo mundo estava nas ruas, com cadeira de praia, curtindo a brisa que vem do Atlântico, que ameniza um pouco a sensação de estar dentro de uma sauna.
É Fortaleza, afinal.
Digo isso porque muitos que não conhecem o Nordeste imaginam que ele é inteiro assim tórrido, uniformemente.
Nada poderia ser mais distante da realidade. Fortaleza abre a chamada ‘Costa Norte’, como iniciei a matéria falando.
Na ‘Costa Leste’, ou seja de Salvador a Natal, o calor é um pouco mais gentil com o povo. Lhes relatei com detalhes quando estive na Paraíba, 2 anos depois do Ceará.
João Pessoa tem uma temperatura muito mais agradável, ao menos pra quem mora em casas que foram construídas de forma planejada por arquitetos, adaptadas ao ambiente (com pé-direito alto, forradas e ventiladas).
Inclusive uma das matérias dessa série se chamou “João Pessoa é uma mãe, uma cidade verde e de clima ameno“. O contraste com Fortaleza é agudo nesse quesito.
………..
Fortaleza em vários aspectos lembra bastante o Rio de Janeiro.
Na música, na pichação e diversos outros aspectos. Fortaleza ouve muito ‘funk’, como no Rio.
A única diferença é que Fortaleza não tem morros, as favelas são todas planas, sem exceção.
De resto há várias coisas iguais ao Rio, a capital cearense é muito influenciada pela carioca.
O mesmo cenário, prédios de altíssimo luxo em frente a praia. Duas quadras pra frente está a favela. “Morro” e asfalto, lado a lado. E todos, os garotos da favela a elite, as vezes jogando bola juntos na areia.
Falamos na foto mais pra cima a esquerda da pichação. Assim como a música da galera, a ‘arte’ de rabiscar muros na capital do Ceará é inspirada do estilo praticado no Rio.
Pra quem não sabe, o Brasil tem três grandes ‘escolas’ da pichação, que são Rio, São Paulo e Brasília. Na forma criada na capital federal (e usada também em Goiânia), digamos que se fundiram as outras duas, as letras são grandes como em SP, mas redondas como no Rio.
Pois as 2 maiores metrópoles do país no Sudeste adotam ‘alfabetos’ opostos.
No estilo criado em S. Paulo, adotado no interior e litoral do estado, no Recife, em Curitiba e Porto Alegre-RS (com a adição de muitos desenhos também em Belém), as letras são grandes, duras e separadas.
Por vezes ocupam toda a extensão do muro, então uma letra pode ter até dois metros de altura. O modelo criado no Rio é o contrário.
As letras são pequenas, redondas e juntas. Em Fortaleza é assim também.
………..
Enfim, amigos, como abertura é suficiente. Outras mensagens da série
– Cidade do Sol, do Mar, das Lagoas, do ‘Funk’ e dos Ônibus Azuis (setembro de 2011):
Falo um pouco de minhas voltas no subúrbio (fotografei o mercado de Caucaia, onde se vende galinha viva nas ruas, por exemplo), do futebol, mais um apanhado do transporte, entre outros temas;
– Até Pacatuba tem metrô – coletânea de diversos textos sobre o transporte em Fortaleza (alguns feitos imediatamente após a viagem em 2011, outros em 2013 e 14):
Abordando – de forma bem mais completa, com muitas fotos – metrô, VLT, trem de subúrbio, e a modernização da rede de ônibus;
– Prefixo em Cor Diferente: Costa Norte Brasileira (produzida em setembro de 2011, logo de meu retorno de lá):
Como já dito, Fortaleza criou e Teresina, São Luís, Belém e Manaus adotaram a ideia de escrever o prefixo dos ônibus em outra cor, característica delas e só delas;
Deus proverá
Você tem que visitar novamente minha cidade, ela mudou bastante de 2011 pra cá!
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Com certeza, amigo. Estive em Fortaleza pela primeira vez em 1989, e novamente em 2011, e ela já havia mudado bastante nesses 22 anos. Então certamente esse movimento continua. Pra começar a conversa em 2011 ainda não havia metrô, que então estava em fase final de obras. Na questão do transporte tenho tanto quanto possível acompanhado a evolução pela internet, e já publiquei matéria específica mostrando o quanto a capital do Ceará vem avançando.
Gostaria muito de ir novamente a Fortaleza e, caso Deus o permita, o farei em breve.
Abraços.
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